sexta-feira, outubro 31, 2003
terça-feira, outubro 28, 2003
segunda-feira, outubro 27, 2003
Ao guardião, no seu elemento, entrego as palavras. Todas as palavras. Próximas do limite.
Falamos sobre limites. Sobre elementos. Sobre repetições.
Amanhã, o guardião cumprirá, renovando, o seu elemento. Partirei em busca de outras águas. E a eterna dúvida será a nossa comum perturbação. E agora, na noite, pode esboçar-se o risco infinito da morte. À superfície das águas.
sábado, outubro 25, 2003
sexta-feira, outubro 24, 2003
Histórias para a Inês (10)
O Ladrão de Palavras
Pai, acho que há um ladrão na Escola! O Pai não ouviu, estava com aquela cara de pensar na vida. Acho que há um ladrão na Escola! – gritou a Menina outra vez. Um ladrão? E roubou o quê?, perguntou o Pai, ainda um poucochinho distraído. Não tenho a certeza… Olha, vou contar-te o que aconteceu hoje. O Miguel sabes?, aquele mais estarola?, perguntou à senhora Professora por que é que não havia um Deus preto. A senhora Professora abriu a boca e depois parecia que não saía nada, até pensei que ela ia desmaiar. Mas depois disse: “Ó Miguelito, não tenho palavras para te responder.” Eu primeiro pensei que ela tinha perdido as palavras, mas depois lembrei-me que ela está sempre a dizer-nos que nunca perde nada e que nós devemos arrumar tudo muito bem. Então, se não perdeu as palavras, pensei eu, é porque alguém lhas roubou, não achas, Pai? Talvez… ia o Pai a dizer, mas a Menina deu um grito: Já sei! Foi no bairro dela que acho que é muito grande e escuro, na minha Escola não deixam entrar os ladrões! Houve um bocadinho de silêncio. Depois, a Menina perguntou ao Pai: Por acaso, não tens umas palavrinhas a mais e que não te façam falta?
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Subo a calçada do general. Poupo palavras. Regresso. Confirmo a morada. A casa de passar as tardes. O guardião consome oxigénio. Saúdo-o. Na calçada começa a rolar uma esfera de cinza. A náusea vem depois.
Perto do rio Mondego há uma casa feita de palavras. Um castor velho ocupa-se a suprimir-lhe as excrescências.
Um texto habitado por fantasmas. Reconhece-se pelo óxido de ferro.
O concon é um peixe-crustáceo. A sua captura é um jogo de sedução. Devolve-nos o passado e fere o sabor. Não deveria ter nome.
Diário
É este o perigo, creio eu, quando se faz um diário: exagera-se tudo, espia-se de mais, excede-se constantemente a verdade.
Jean-Paul Sartre, A Náusea
quinta-feira, outubro 23, 2003
Espero...
O meu computador ardeu na última sexta-feira. Agora, um novo e a esperança de recomeçar esta vidinha...
quinta-feira, outubro 16, 2003
quarta-feira, outubro 15, 2003
ABERTOS ESTÃO CAMINHOS (1)
Primeira Jornada: nhe’ ē porā
Os índios guarani, hoje quase inteiramente dizimados, perdidos algures nas florestas entre o Brasil e o Paraguai, são, ou foram, grandes senhores da Palavra: Belas Palavras - nhe’ ē porā – para se dirigirem aos deuses. Os seus karai, profetas pré-colonização, proclamavam a necessidade de abandonar este mundo e atingir a Terra sem Mal – ywy mara ey. O habitante da Terra sem Mal recusa o Uno – o Mal, o sinal do Finito; é sem dúvida o homem, mas é também o duplo do homem, um deus. O Bem não é o múltiplo, é o dois, simultaneamente o um e o seu outro. O dois que designa realmente os seres completos. O pensamento guarani pensa o mundo e a desgraça do mundo; procura abordar uma arqueologia do mal e estabelecer uma genealogia da desgraça.
A linguagem dos karai traduzia um desejo de sobre-humanidade. Uma linguagem próxima da linguagem dos deuses. Os sábios guarani souberam inventar o esplendor solar das palavras dignas tão só de se dirigirem aos divinos. Belas Palavras para atingir os sete firmamentos sobre os quais reina Nhamandu, o pai primeiro.
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[ v. O Grã-Falar. Mitos e Cantos Sagrados dos Índios Guarani. Uma Sociedade que recusou o Estado, de Pierre Clastres, tradução de Luísa Neto Jorge, Lisboa, Arcádia, 1977 ]
terça-feira, outubro 14, 2003
"Minhas botas velhas, cardadas..."
O Ministro da Defesa convoca a malta com 18 anos para ir celebrar a defesa nacional aos quarteis e paga vigens e comedorias: quem não quiser aceitar o convite chupa com uma multa (50.000 a 250.000 escudos). Aconselho o Ministro que obrigue também a malta a cantar o Hino da Mocidade Portuguesa (com a respectiva multa para quem não souber a letra ou desafinar). Se ressuscitar o Movimento Nacional Feminino, as Senhoras poderão auxiliar na distribuição das sanduiches e vigiar quem queira aproveitar-se da concentração para trocar beijos e carícias. Se isto não for suficiente, ainda andam por aí alguns agentes da PIDE desempregados (os outros estão bem instalados em vários ministérios e empresas públicas, democracia oblige). A Pátria agradece reconhecida. Minhas botas velhas, cardadas...
Enetation
O serviço de comentários da Enetation só funciona como e quando quer. Para quem não tiver pachorra para os seus caprichos aconselho o uso do e-mail.
Histórias para a Inês (9)
O Pátio que Rodopia
Era uma vez uma Menina, mas não era eu, estás a perceber, Pai?, disse a Menina que não era a Menina da história que esta Menina queria contar ao seu Pai. Assim não percebes, vou começar de outra maneira, está bem? E a Menina, sem deixar o Pai responder, começou assim: No pátio de uma escola brincavam os meninos e as meninas e de repente começou tudo a andar à roda muito depressa, tão depressa que ficava tudo misturado: árvores, bolas, leite com chocolate, iogurtes, vestidos, pães com manteiga – tudo, tudinho! Ninguém conseguia ficar de pé porque dentro das cabeças também se misturava tudo muito depressa. Então, uma das Vigilantes gritou para a tal Menina que não era eu, percebes, Pai?, gritou assim: “Ó Menina, acabe lá de fazer o seu tricô, não percebe que está a fazer tudo andar às voltas demasiado depressa?” A Menina disse que sim, parou e depois ficou tudo outra vez muito quieto e direitinho. Ah!, mas parece que a senhora Vigilante é que ficou com um dói-dói muito grande dentro dela. Percebeste, Pai? O Pai desta Menina, não a outra, disse que sim mesmo antes de adormecer.
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Desenho da Inês (transformado)
quinta-feira, outubro 09, 2003
Às vezes a malta cansa-se...
Às vezes a malta cansa-se: imagens que não se vêem, comentários que teimam em não aparecer, links que desaparecem... Estranho e complicado mundo o da blogosfera!
Talvez seja mais confortável escrever na folha do sôr zé manel furnandes, não?
terça-feira, outubro 07, 2003
"Um problema de estilo..."
Li o teu RE: e lembrei-me disto que escrevi há uns tempos:
Um milagre qualquer põe sombras nos teus olhos
um rimel especial para tornar castanho o olhar
sob a pressão das pálpebras indecisas
vieste assim triste é essa a sabedoria de prender
os corpos uma laranja que se solta
ao ritmo do coração desarranjado
as pessoas tristes não sabem soluçar
o pensamento está preso fundo muito fundo
e é por isso que apenas se deixam adivinhar
vieste assim triste como eu não sabia
foi ontem há muito tempo esquecemos
ficámos esquecidos a olhar o tempo que não há
trocámos longas cartas com ausência de luz
queimadas desfeitas nas nossas mãos
vieste assim triste e fiquei a olhar-te a pensar
na escuridão a soletrar palavras desconhecidas
vieste assim triste e virás repetidamente virás
até o meu olhar aprender a olhar o teu
através das persianas da minha cela
olho ao longe o mar que ainda brilha
penso em ti assim triste que não virás
nunca mais caminharei para ti?
(as sobras frias do peixe frito sobre a mesa).
(d'A Realidade Inclinada)
Histórias para a Inês (8)
O Jardim da Bivó
Prima Laura, no Domingo queres ir comigo ao Jardim da Bivó? A minha prima Laura tem a minha idade e chegou agora da cidade dela. Acho que lá não há jardins como o da nossa Bivó e se calhar é por isso que me diz sempre que prefere ficar em casa a brincar. Não sei. Mas também não me importo. Vou lá muitas vezes com a Mami e com a mãe dela que é filha da Bivó. A Tacha também gosta muito do Jardim da Bivó mas começa logo a escavar terra e a comer flores e então às vezes a Mami tem que a deixar fechada no carro. Na última vez que estivemos no Jardim da Bivó, a Vovó disse-me que a mamã dela devia estar triste porque as suas flores também estavam. E a culpa não foi da Tacha, juro, esteve sempre quietinha ao pé de mim. Eu até acho que estava também um bocadinho triste. Até me apeteceu chorar. Pusemos flores alegres e depois fomos lanchar. Não me apetecia comer nada. Estive sempre a pensar na Bivó. E disse à Mami e à Vovó que elas deviam dar à Bivó um jardim maior. A Mami disse-me que o melhor era eu comer o iogurte. Não percebi. Contei isto à priminha Laura e ela também não percebeu.
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Aguarela da Inês
sexta-feira, outubro 03, 2003
"A Força do Hábito", pela Truta, na Comuna
A TRUTA - Associação Cultural - apresenta:
A FORÇA DO HÁBITO de THOMAS BERNHARD
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Teatro da Comuna, de 16 de Outubro a 2 de Novembro
A Força do Hábito. O seu tema são os conflitos existentes numa companhia de circo, gerados pela imposição do seu líder de ensaiar o Quinteto da Truta, de Schubert, com o objectivo de um dia fazer um concerto na pista. O desvio do praticante de circo para intérprete de música, no qual o ruído rebelde funciona como uma forma de contra poder, expõe em cena o teatro, num jogo de espelhos. Assim, evidencia-se mediante os mecanismos da paródia, as relações entre arte e poder, sob o pano de fundo existencial das personagens.
FICHA TÉCNICA E ARTÍSTICA:
Encenação: Joaquim Horta
Cenografia: Marta Carreiras
Figurinos: Pedro Cardoso
Iluminação: Daniel Worm d¿Assunção
Design Gráfico: Paulo Augusto
Interpretação: Diogo Dória, Joaquim Horta, Paula Diogo, Raúl Oliveira, Rúben Soares
Produção Executiva: Mafalda Santos
INFORMAÇÕES GERAIS:
ENSAIO DE IMPRENSA: 10 de Outubro às 18h - Teatro da Comuna
DATAS DE APRESENTAÇÃO: 16 de Outubro a 2 de Novembro
HORÁRIO: De Quarta a Sábado 21H30, Domingo 16H
LOCAL: Sala das Novas Tendências do Teatro da Comuna, Praça de Espanha - Lisboa
PREÇO: 10 € (7,50 € p/ jovens até aos 25 anos, estudantes, maiores de 65 anos e profissionais do espectáculo)
MARCAÇÕES: Tm. 96 808 65 53
CLASSIFICAÇÃO ETÁRIA: M/ 12 anos
APOIOS: IPAE/MC, Comuna - Teatro de Pesquisa, CML, Teatro Praga
Mais informações, contactar: Mafalda Camacho Santos - Produção Executiva (tm. 96 808 65 53)
quinta-feira, outubro 02, 2003
O corpo contado (6)
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Sedução, s. Do lat. seductiōne-, «acto de pôr de parte; separação; sedução; corrupção». Em 1813, Morais.
Seduzir, v. Do lat. seducĕre, «levar à parte; puxar para si; dividir, repartir; seduzir, corromper». Séc. XVI, segundo a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.
Sensual, s. Do lat. sensuāle-, «relativo aos sentidos; dotado de sensação». Séc. XV: «E sabe que o petito sensual nunca se asenhora da razam...». (...) o sentido dever ter aparecido por intermédio do fr. onde a acepção de «que procura os prazeres dos sentidos» já se documenta no séc. XVI.
Sensualidade, s. Do lat. sensualitāte-, «faculdade de sentir, de perceber sensações», com modificação semântica posterior, imposta pelo novo sentido de sensual. Séc. XV: «Na memoria faço duas deferenças: hũa que pertecce a alma racional, e outra aa senssualidade» (D. Duarte, Leal Conselheiro, cap. 2, p. 13).
Sensualismo, s. Do fr. sensualisme. Séc. XIX: «... no andar, tinha algumas vezes um não sei quê que denunciava apetites de um sensualismo profundo e veemente» (Camilo, Fanny, cap. 28).
Pudicícia, s. Do lat. pudicĭtĭa, «pudicícia, castidade, pudor». Séc. XVI, segundo Morais.
Pudor, s. Do lat. pudōre-, «sentimento de pudor, de vergonha, de reserva, de delicadeza, de timidez; sentimento moral, moralidade, honra; ponto de honra, honra; vergonha, desonra, opróbio»; por via culta. Séc. XVI, segundo Moraes.
Pudendo, adj. Do lat. pudendu-, «diz-se daquilo que faz corar, vergonhoso, infamante». Em 1813, Moraes.
Pudente, adj. Do lat. pudente-, «que tem pudor, modesto, reservado, discreto».
Pudibundo, s. Do lat. pudĭbundu-, «que sente vergonha, confusão; vergonhoso, infame. Séc. XVII, segundo Moraes.
Pudico, adj. Do lat. pudĭcu-, «casto, tímido, pudico, virtuoso, modesto; puro, honesto, irrepreensível». Séc. XVI: «A victoria trazia, & presa rica // Presa da Egípcia linda & não pudica», Lus., II, 53.
in Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, Lisboa, 1987
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Vincent Serbin, 1992
Sedução. Episódio tido por inicial (embora possa ser reconstruído depois) no decurso do qual o sujeito apaixonado se sente “seduzido” (capturado e encantado) pela imagem do objecto amado (nome popular: amor à primeira vista; nome sábio: paixão).
Roland Barthes, Fragmentos de um Discurso Amoroso, Lisboa, ed. 70, s.d. (1977): 226
O corpo contado (5)
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A orientação dos pêlos no corpo do homem contemporâneo obedece a uma configuração tal que a região dos ombros seria aumentada quando se eriçassem; isto no caso de ainda hoje possuirmos uma pele como a doas animais. É mais possível que isto se processasse deste modo nos nossos antepassados, como nos demonstra hipoteticamente uma reconstrução de P.Leyhausen.
Nesta reconstrução transporta-se para um antepassado hipotético o sentido de orientação dos pelos na zona do peito e das costas no homem contemporâneo, para mostrar a sua aparência provável quando eriçava os pêlos. Os homens muito cabeludos ainda hoje têm tufos de pêlos nos ombros. Mesmo com o desaparecimento da pele cabeluda, manteve-se no homem (macho) a tendência de salientar os seus ombros.
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Nas mais diversas culturas o homem (macho) tem a tendência para salientar os seus
ombros pela moda. Em cima: índio waika; ao meio: actor kabuki (Japão); em baixo: Alexandre II da Rússia.
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Laociano saudando
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Modo de saudar das mulheres fulbas
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Ifes (Yoruba) saudando o seu soberano
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Um polícia da República Federal da Alemanha saudando o presidente francês De Gaulle
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Saudação a um dignitário egípcio
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Chimpanzé fêmea saudando um macho. A inclinação é provavelmente uma forma ritualizada do desafio para o cuidado social da pele.
Imagens e textos de Amor e Ódio - História Natural dos Padrões Elementares do Comportamento, de Irenäus Eibl-Eibesfeldt, Lisboa, Bertrand, 1977 (Prefácio de Bracinha Vieira Tradução de Paulo Jorge Roovers de Almeida). Tudo gostosamente roubado às Luzes da Silvana.
O corpo contado (4)
Chegado a um tal ponto de estilização, um gesto faz um autor.
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Fotogramas de filmes de Roberto Flaherty: Moana, Nannok e Man of Aran
(texto e imagens in Catálogo - organização e texto de José Manuel Costa - do Ciclo dedicado a Flaherty pela Cinemateca Portuguesa, Lisboa, 1984)
quarta-feira, outubro 01, 2003
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