quarta-feira, outubro 15, 2003
ABERTOS ESTÃO CAMINHOS (1)
Primeira Jornada: nhe’ ē porā
Os índios guarani, hoje quase inteiramente dizimados, perdidos algures nas florestas entre o Brasil e o Paraguai, são, ou foram, grandes senhores da Palavra: Belas Palavras - nhe’ ē porā – para se dirigirem aos deuses. Os seus karai, profetas pré-colonização, proclamavam a necessidade de abandonar este mundo e atingir a Terra sem Mal – ywy mara ey. O habitante da Terra sem Mal recusa o Uno – o Mal, o sinal do Finito; é sem dúvida o homem, mas é também o duplo do homem, um deus. O Bem não é o múltiplo, é o dois, simultaneamente o um e o seu outro. O dois que designa realmente os seres completos. O pensamento guarani pensa o mundo e a desgraça do mundo; procura abordar uma arqueologia do mal e estabelecer uma genealogia da desgraça.
A linguagem dos karai traduzia um desejo de sobre-humanidade. Uma linguagem próxima da linguagem dos deuses. Os sábios guarani souberam inventar o esplendor solar das palavras dignas tão só de se dirigirem aos divinos. Belas Palavras para atingir os sete firmamentos sobre os quais reina Nhamandu, o pai primeiro.
[ v. O Grã-Falar. Mitos e Cantos Sagrados dos Índios Guarani. Uma Sociedade que recusou o Estado, de Pierre Clastres, tradução de Luísa Neto Jorge, Lisboa, Arcádia, 1977 ]
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