quinta-feira, julho 31, 2003

O CIRCO NA GARAGEM (2)


1 espectáculo X 3

«Conheço aquela voz d’algum lado! Juro qu’é verdade! Tem cor de farturas, de choques de carrinhos eléctricos, de cheiro a sardinhas e a frango nas brasas, de rodopio, da gente a tar assim a modos qu’a’cair dum abismo abaixo, de anda cá meu malandro que são horas de jantar!»

[ver texto completo em Teatro no Ar]

quarta-feira, julho 30, 2003

AFECTOS (14)

«Querido
O meu corpo está no armário, entre a caixa do tédio e as tuas gravatas.
Se te servires dele não te esqueças de o desligar.
Eu fui às compras.
Até logo.»

Eugénia Mata, O Mundo das Ostras

AFECTOS (13)

«é uma tarde de mudez
as folhas nas árvores
as folhas não bulem
e a roupa inerte dos corpos exaustos
na corda onde a rapariga
prende as mãos e elas se soltam
porque não existem
nessa tarde de mudez
apenas o vermelho da cara
onde o rapaz se aplica
com o gosto crescente
do vermelho afluir.»

Ana Paula Inácio, As Vinhas de Meu Pai, Quasi, 2000: 27

ESCLARECIMENTO

Do blog A NATUREZA DO MAL (de novo com a "devida vénia"):

Thursday, July 24, 2003
Esclarecimento
O CAM do Campo de Afectos publica um pedido de sangue. Já segui o mesmo trilho de boa vontade e fui mesmo a um IPO, disposta a colaborar. Fui daí encaminhada para a única entidade habilitada a fazer colheitas de sangue, o Instituto Português do Sangue (IPS), nas suas delegações regionais. Segui para o IPS, onde me informaram não ser sequer possível determinar o destinatário do sangue doado. Calculei que se o menino do mail da manhã precisava, lá haveria de chegar. Infelizmente, não passei a prova da balança: os 50Kg obrigatórios. Apesar da desilusão de não me deixarem ajudar, concordo em absoluto com as regras. Impedem que uma bolsa de sangue possa ser uma moeda de troca e deixam a quem sabe a decisão do destino de um bem comum. É verdade, um bem comum. Contribuam!
// posted by Sofia @ 4:46 PM

A NATUREZA DO MAL

No blog A NATUREZA DO MAL, uns posts sobre recentes posições públicas sobre a suposta "nova poesia portuguesa". Com a "devida vénia", reproduzo aqui esses posts [v. tb. o meu post FIM-DE-SEMANA PERFEITO]:

Monday, July 28, 2003
Arte Poética

Poetas sem qualidades parece ser, para a esquadra pesada do apeadeiro, o alvo a abater . Declaro que é o meu livro de Verão. Como o livro teve uma edição de 350 exemplares vou passar a citá-lo (para os que não conhecem a editora AVERNO).
Quero escrever hoje, aqui, esta arte poética da Ana Paula Inácio e com ela resgatar o azedume dos posts anteriores e voltar ao espírito de A Natureza do Mal:


...com três paus
fazes uma canoa
com quatro tens um verso,
deixa o tempo fazer o resto.


// posted by Luis @ 11:03 AM

Quasi
E pela segunda vez no mesmo dia o nome de Jorge Reis-Sá vem ter comigo. Ele é co editor do apeadeiro 03. O homem parece apostado numa cruzada literária. Não percebo ainda quem são os cristãos nem os mouros. Mas se ele for cristão eu sou mouro e se for mouro serei cristão. Estou Quasi quasi a ter um preconceito com a editora de Famalicão. Agora já posso ter preconceitos sem sentir culpa.
// posted by Luis @ 10:53 AM

Grosseirões
Um poeta que a Claire Lunar aprecia disse uma vez aos vindouros que fossem gentis porque eles, os que viveram no duro tempo da luta de classes, não o tinham podido ser. Hoje, não vou dizer o que outro poeta, também alemão, comentou 20 anos depois. Os que escrevem no apeadeiro ainda não podem ser gentis. Fica a dúvida sobre se não são mesmo...rudes.
// posted by Luis @ 10:48 AM

Apeadeiro 03. Fujam!
Trouxeram-me a revista apeadeiro 03. Tem um dossier sobre crítica literária, uns poemas e um daqueles questionários infanto-juvenis que consta que o Proust fez a si próprio em dias de folga da Recherche. O questionário é sobre uma tal poesia digital, antologia que três personagens cujo nome não citarei para não os decorar- a Sofia até o NIB decora, deram à luz pelos vistos contra os poetas de 90, chamemos-lhe assim. O questionário parece ter sido formatado para possibilitar o tipo de respostas dominante, naquele suave exercício de cumplicidade redacção-entrevistado que agora revive, próprio das democracias vigiadas. Esses três senhores são pessoas muito mal dispostas e malcriadas que cultivam um ódio assustador ao que chamam a geração de 90. Como acordei bem disposto não vou lembrar-me do vocabulário que usam. Idéias não dei conta que houvesse. Gente daquela não pode gostar de poesia. Escrevo isto só para que mais nenhum incauto espere em apeadeiros destes.
// posted by Luis @ 10:11 AM

Sunday, July 27, 2003
A poesia de agora e o senhor Jorge Reis-Sá

Jorge Reis-Sá assina no Mil Folhas um texto sobre "A Poesia de Agora" que, a crer na nota introdutória da redacção parece ser um episódio de um debate cujos termos anteriores me escaparam. O ponto de vista principal é de que, na poesia que se revelou nos anos 90, existem dois caminhos ( a que ele chama também gerações).
Um teria como figuras de proa Manuel de Freitas e Pedro Mexia e integraria poetas como Carlos Luís Bessa, José Miguel Silva, Ana Paula Inácio e Rui Pires Cabral. Responderia ao apelo de Joaquim Manuel Magalhães de regresso ao real e praticaria "um franciscanismo(...) de urinóis, shoppings e telemóveis..." Teria granjeado fama (subentende-se não totalmente merecida?) através do exercício paralelo da crítica literária por alguns dos seus elementos proeminentes. Outro grupo, mais discreto, englobaria valter hugo mãe, Melícias, Vasco Gato, Pedro Sena-Lino e praticaria uma "poesia imagética devedora de Herberto Helder, Cesariny e Luís Miguel Nava". Este grupo teria compreendido que o regresso ao real foi chão que deu uvas e teria voltado "ao sublime".
De fora ficam outros nomes, presume-se que mais ligados a esta "simplicidade" que "sente que o real já foi visto, sentido e revisto."E que não vou citar porque entre eles está um dos meus poetas favoritos.

Só queria dizer, aqui da cela, algumas coisas simples.
De Ana Paula Inácio já disse o que sentia. Sublime resposta aquele silencio bartlebyano a uma antologia que lhe pedia um texto inédito (se alguém souber onde, em que ilha dos Açores, está Ana Paula, A Natureza do Mal rejubilaria).
Pedro Mexia, o de Eliot- não estou a falar do Dicionário do Diabo, é um poeta da cidade quando fica deserta, da atenção às pequenas coisas que se passam aqui mesmo ao nosso lado, da alegria incompreensível das namoradas. Como Manuel de Freitas ele escreveu uma geografia fascinante de Lisboa. Cafés, tabernas, shoppings que se adivinham suburbanos, praças ao fim do dia. Freitas é aparentemente mais brutal, com as referências ao alcoól e a um comércio sexual aparentemente destituído de ternura . Mas enternece-se com o taberneiro ou a mulher de detrás do balcão, o sorriso desdentado de uma mulher que varre o passeio. São, cada um à sua maneira, dois grandes poetas deste tempo. Que leram Ruy Belo concerteza. E Cesário, Herberto Helder, Cesariny, sim. E que felizmente não cabem numa definição tão simplista.
Pôr poetas contra poetas, em torneio, parece-me feio.
O texto de Jorge Reis-Sá é mal escrito, redutor, inexacto, injusto. A poesia de agora merece outra coisa.

Hoje de tarde, por coincidência, tinha por companhia o livro de Manuel de Freitas editado pela Frenesi e intitulado Infernos Artificiais. 300 exemplares! Quantos leitores? Chamar a esta "geração" festejada", reconhecida na praça" parece-me uma maldade.
Por mim faço votos para que o Manuel de Freitas (agora editado pela mais respeitável Assírio) não abandone o seu lado maldito, não troque a taberna pelo Lux e tenha sempre à disposição aquele deus sublime, que pode ser o autoclismo com a sagrada louça sanitária.
// posted by Luis @ 10:09 PM

Saturday, July 26, 2003
Ana Paula Inácio não te cales

Li no Mil Folhas que a revista Relâmpago reuniu alguns dos "jovens" poetas portugueses a quem pediu e publicou inéditos. Ana Paula Inácio não foi incluída por não ter nenhum inédito disponível.
Sim, talvez Ana Paula Inácio atravesse um desses momentos de silêncio. Sobre isso escreveu-se esse livro que tem o outro nome de Bartleby. O livro de contos de API é já o anúncio de um grande silêncio onde os personagens se vão sucessivamente apagando. Mas Ana Paula Inácio não se pode calar, logo agora que a descobrimos. Onde quer que estejas, no meio dos oceanos como gostas de dizer, não te cales. Nós gostamos de ti. Nós, esta gente anónima destes blogs quase confidenciais que vamos linkando, que sem darmos conta formamos na grande rede uma pequena rede de fios precários, voláteis, nós precisamos da tua voz que nos dá as coisas mínimas com que construímos a nossa voz.
// posted by Luis @ 4:22 PM

ORA BOLAS!

Comentário de Luís M. Serpa ao post abaixo com citação de EPC ["É uma espécie de sonho adolescente..."]: "Ora bolas, Uma coisa tão boa e logo estragá-la com o EPC...".

segunda-feira, julho 28, 2003

FIM-DE-SEMANA PERFEITO

Este fim-de-semana confirmei:
1 – Que não faço parte da “nova poesia portuguesa” [grosso modo, obra dos poetas que começaram a publicar na década de 90 do século passado (que horror!)] [exemplo]
2 – Que não suscito ódios, invejas, traições, intrigas, etc - podem colocar o etc no princípio – nos locais de discussão pública [exemplo]

Fim-de-semana perfeito, pois!

AFECTOS (12)

Wuthering Winds – a casa do gelo

A habituação do olhar às imagens
exige o abandono de poéticas
que desistiram de perceber
a desmesura dos uivos
que as palavras soltam
antes de ser engolidas
pelas bocas do discurso.
Vi-o assim. A cabeça 3-D
já dificilmente detém
o descontrolo do pensamento
e abre-se de par em par
para refulgir na imagem
que, alucinada, toca tudo
em redor comunicando
ao cenário a nudez beatífica
de uma urna frigorífica.
Ao pensar, as paredes
do vídeo escancaram-se
dando do interior a visão
de um matadouro de onde
as peças pendem sustidas
pelo fluxo de um sangue
ainda cru e enriquecido.
Nas partes em que a carcaça
se azula a anomalia cresce
enchendo a estufa de cores
a que a temperatura,
contra o gosto, transmite
uma cor ainda mais escura.
Mas era preciso aí ter
permanecido para ver
as flores invadir
o mundo como uma criação
de que as palavras
eram os portadores
alterando o funcionamento
de cabeças que dentro de si
- do lugar em que
a morte se refugia –
nunca se viram reflectidas.
Serão estas imagens
de que me sirvo?
Uma criação da morte
ou a ninhada impura
em que luxuriante se
anuncia uma outra forma
mais lúcida de vida?

Fernando Guerreiro (inédito, Maio de 2003)

"É UMA ESPÉCIE DE SONHO ADOLESCENTE..."

«É uma espécie de sonho adolescente: reunir todos os textos, poemas, ensaios, versos, frases, palavras, sons (acrescento em segredo: os gestos) que um dia me tocaram. Uma espécie de antologia interminável, caprichosa e feroz, desalinhada e desigual, em que a última palavra, luminosa, seria sempre a palavra em falta. Depois, haveria o momento da partilha: estes textos, estas inscrições, estas marcas gráficas ou sonoras deveriam pertencer a um círculo em expansão, o círculo daqueles que as sabiam (ou prometiam aprender) amar.»

Eduardo Prado Coelho, “A Sabedoria de Olhos Cheios de Lágrimas” [Público, Mil Folhas, Sábado, 26.7.2003]

sábado, julho 26, 2003

AFECTOS (11)

HOJE E AMANHÃ, NO FIAR (PALMELA) "GIROFLÉ": ESPECTÁCULO IMPERDÍVEL DOS "CIRCOLANDO"! (leve um agasalho...).

Do Programa do FIAR:

CIRCOLANDO
Giroflé


Novo circo
Portugal
25, 26 e 27 de Julho
Dia 25: 21horas
Dia 26: 23 horas
Dia 27: 21 horas
Local: Revelim do Castelo de Palmela
Duração: 90 minutos


Numa cúpula gigante instala-se um jardim celeste. Jardim de terra, enraizado por homens tornados árvores, que se abre para tontas danças de carroça. Jardim que se alaga quando, entre imensos panos brancos, se agarra o céu por uma nuvem e se parte para a celebração da água. Jardim que respira vento para a vertigem dos voos de um par de galináceas. Jardim que é o lugar secreto de figuras sem nome que vivem do ofício do sonho. Sonho do jardineiro endeusado que sempre aqui vem procurar a tranquilidade do sono.
Giroflé situa-se no cruzamento de diferentes linguagens artísticas – circo, dança, teatro físico, marionetas, música – e, privilegiando o discurso emotivo e sensorial, procura cumprir a utopia do público total.
Num suceder de quadros, compõe-se um manifesto poético que, mergulhando no sonho e na transmudação, estabelece uma forma singular de comunidade com a natureza. Ao público apenas lhe pedimos a tranquilidade para contemplar.

Desenvolvendo a sua actividade desde 1999, Circolando propõe-se participar no movimento que procura a reinvenção do circo nos espaços de cruzamento das múltiplas linguagens artísticas.
Tem vindo a fazê-lo produzindo espectáculos – Caixa insólita (2000), Rabecas (2001), Giroflé (2002) – que abordam universos dramatúrgicos pela construção de quadros visuais e poéticos. Quadros que exploram os modos de falar que não podem ser traduzidos por palavras, antes se deslocam entre imagens e movimentos penetrados de sensações e emoções. Espectáculos que, fundando-se na experimentação e no trabalho sobre propostas colectivas, envolvem processos longos de criação. Criação que se torna quase contínua com o prolongar da itinerância. Sempre vivos estão pois estes espectáculos que atravessaram terras de Portugal, Espanha, França, Holanda, Bélgica, Reino Unido e Eslovénia.


Criação colectiva

Direcção artística
André Braga e Cláudia Figueiredo
Direcção e encenação
André Braga
Assistência de encenação
Pedro Cal
Direcção dramatúrgica
Cláudia Figueiredo
Direcção plástica
João Calixto
Composição musical
Alfredo Teixeira
Desenho de luz
Cristina Piedade
Sonoplastia
Anatol Waschke
Cenografia
André Braga, Pedro Cal e João Calixto
Coordenação técnica
Nuno Neto
Direcção de produção
Luísa Moreira
Interpretação
André Braga, Graça Ochoa, João Calixto, João Vladimiro, Pedro Cal e Sofia Figueiredo

PRÉMIO TEATRO NA DÉCADA DO CLUBE PORTUGUÊS DE ARTES E IDEIAS

sexta-feira, julho 25, 2003

INACREDITÁVEL!

Não sei como é possível, mas o Ministério da Educação permite que qualquer pessoa verifique, on-line, o nosso Curriculum escolar mesmo que já tenha terminado de estudar há 50 anos. Se quiser experimentar para ver se o seu está correcto, o endereço é:
http://alunos2002.no.sapo.pt

AFECTOS (10)


[desenho do Rui B., início dos anos 80]

quarta-feira, julho 23, 2003

AFECTOS (9)

«Na Praia

Raça de marinheiros, que outra coisa vos chamar,
senhoras que com tanta dignidade
à hora que o calor mais apertar
coroadas de graça e majestade
entrais pela água dentro e fazeis chichi no mar?»

Ruy Belo, Homem de Palavra(s), Lisboa, Dom Quixote, Cadernos de Poesia, 1970: 121


terça-feira, julho 22, 2003

ALQUIMIA (3)

Trabalho de casa.

Trabalho sobre os textos do Virgílio Martinho [ver posts de 20 e 25 de Junho] na companhia de W. Benjamin (Rua de sentido único e Infância em Berlim por volta de 1900, Relógio d’Água, 1992):

«[...] a força de um texto diverge, conforma é lido ou transcrito. [...] somente quando copiado, o texto domina a alma do que sobre ele se debruça, ao passo que o simples leitor nunca chega a conhecer as novas perspectivas do seu íntimo [...]» [p. 43]

«Não há nada de mais pobre que uma verdade expressa tal como foi pensada. [...]» [p. 97]

«As citações, no meu trabalho, são como salteadores à beira do caminho, que irrompem armados e retiram ao passeante a sua convicção. [...]» [p. 98]

Trabalho de cópia.

«[...] Sei, escrevo hoje e invento-me, estou presente no emaranhado das coisas da memória. [...]»
[Relógio de cuco, p. 50]



«Eu amava o velho pai como quem amam uma coisa inventada, sem palavras nem carinhos. Via-o enorme, as pernas sempre a fugirem de mim, o corpo magro ligeiramente curvado e lá em cima e as fossas do seu nariz. E era esta e não outra a minha invenção de pai. Via-o e era o mesmo que sentir-me duas vezes, como sombra na parede ou imagem no espelho. Porque ele tinha um ar severo e grave, raramente me falava, nunca me beijava, só uma vez me atirou com a mona às pernas. Como um pai que não há. [...]»
[Relógio de cuco, p. 13]


segunda-feira, julho 21, 2003

ALQUIMIA (2)

Descobri há pouco que alguns leitores do blog não estão familiarizados com o seu funcionamento: uma amiga sabia que estava aqui o meu texto sobre o Virgílio Martinho e como ele não está imediatamente à vista não o leu. Por isso, para quem aqui chegue e não seja “blogonavegador” fica o esclarecimento: no lado direito do blog, abaixo dos "LINQUES", está a palavra "HISTÓRICO" e logo abaixo desta, datas em link: clicando tem acesso aos textos (posts) organizados por semana - o blog vai "escondendo" os textos passados mas eles continuam acessíveis. Se por qualquer razão não descobrir o que quer, utilize o recurso do e-mail (abaixo deste post [Comentário] ou no cimo do blog do lado direito).


sábado, julho 19, 2003

AFECTOS (8)

Gnossienne Nº 1

«Eu acreditei que podia amar
o teu corpo, o teu modo de insinuar o coração
nas palavras. Mas era apenas a forma como a noite
sublinhava as superfícies, eu nunca pude atravessar
essa espessura. Estavas ali para te dispores aos meus sentidos
mas crescias fora de alcance no teu próprio
pensamento. Uma distância que só serviria
aos lobos, um mau caminho arrancado às fragas.

Já só conhecia os dias onde tu os frequentavas, o sítio
em que me mantinhas era mais urgente
que o sangue. Sem dúvida que vinhas pelo meu desejo
mas eu perdia sempre alguma coisa
quando te ganhava. Às vezes era só
a minha vontade, outras vezes era toda a frase
do meu nome.»

Rui Pires Cabral, Música Antológica e Onze Cidades, Lisboa, Presença, 1997: 11

Fim de semana

«Fim de semana nos arredores
onde quer que se encoste a luz, aquele domingo de Maio
ouvindo os sinos em Mafra. No escuro eu já caminhava
para ti? A cada manhã posso dizer: ainda se mexem
os dias, tenho um préstimo para estes braços.

No pequeno café onde calha
trazes uma razão agarrada, guardas o meu movimento em ti
como num mapa. A Califórnia toda enfeitada no lustro
das fotografias, os lagos frios de Lausana
ou Genebra: o que interessa isso agora?

Descascas uma laranja para mim. Com a música alto
levamos livros e cigarros para a cama, os estores estão corridos
desde o princípio da tarde.»

Rui Pires Cabral, Praças e Quintais, Lisboa, AVERNO, 2003: 26

sexta-feira, julho 18, 2003

BIBA O SÔR ZÉ MANEL FURNANDES!

O jornal Público, na sua edição on-line, omite as páginas de cultura; também on-line, mas reproduzindo (?) a edição impressa, omite, hoje, no suplemento Y a (única) página dedicada ao teatro; o mesmo faz com o artigo, espantoso, de João Bénard da Costa sobre o filme Vai e Vem e João César Monteiro! BIBA O SÔR ZÉ MANEL FURNANDES!

O CIRCO NA GARAGEM

Assisti há pouco mais de uma hora ao espectáculo Circo, do Teatro da Garagem. Apetece-me escrever um pouco sobre o que vi, mas antes de mais deixo um aviso à navegação: o que se segue não é uma critica jornalística, é um apenas um brevíssimo conjunto de notas de alguém que escreve e faz teatro e, sobretudo, gosta muito de teatro.
Não vi todos os espectáculos da Garagem. Mas desde há uns anos a esta parte que procuro acompanhar as suas produções. A Garagem é um dos projectos que me apetece acompanhar, independentemente do grau de conforto e de prazer que cada um dos seus espectáculos em mim suscita. Hoje deu-me para pensar a causa disso. Longe de qualquer tentativa de fechamento analítico, sei, ou julgo saber, é melhor assim, duas ou três coisas (coisas que suspeito serem partilhadas por outras pessoas). Como outros projectos (em todo o mundo), este é um projecto de um criador, o Carlos Pessoa; não por ele ser escritor e encenador (e às vezes muitas outras coisas) em simultâneo, mas porque é ele que unifica e procura dar coerência a cada espectáculo no interior de um outro projecto, muito pessoal, que é fruto das suas especificas manias, preocupações, obsessões, vontades, ideais (e pode pôr-se aqui muitíssimos etcs). Creio que é paradigmático desta ideia de projecto os seus ciclos antecipadamente programados (Pentateuco - Manual de Sobrevivência para o Ano 2000 e O Livro das Cartas do Tesouro). Outra particularidade, e apercebo-me agora da dificuldade de falar disso, respeita ao modo muito singular como se aborda na Garagem, por processos distintos, o trabalho com o texto, com os actores e com a matéria plástica (chamemos-lhe assim em falta de outra designação mais apropriada). Os actores: sinto sempre uma enorme liberdade no seu trabalho, mas uma liberdade que não despreza o sentido da eficácia comunicativa; e este não é um factor desprezável, sobretudo se considerarmos que os actores se debatem sempre com dois espartilhos muito fortes: o texto, fragmentário até aos limites e excessivo (prolixo e neo-barroco, diz o Carlos serem os seus textos antes de Os Donos dos Cães, de 2002 - e aqui, Carlos, deixa-me dizer-te, discordo de ti; mas teremos oportunidade de falar disso); e a matéria plástica que funciona simultaneamente como dispositivo simbólico (igualmente excessivo) e como matéria orgânica (muitas vezes duplamente orgânica: no seu jogo corpóreo relacional e nas próprias matérias utilizadas). Do texto, que acabei por ir aflorando nas linhas atrás, hei-de falar mais demoradamente noutra ocasião. Refiro somente uma discordância com o que o Carlos diz a propósito desta sua nova fase que considera ser a de uma "escrita concisa e sintética": não duvido da sinceridade da sua intenção mas não me parece atingido esse desiderato - o texto que hoje ouvi tem uma forte marca barroca (uma nota: o texto que ouvi ler, outro dia, na livraria Eterno Retorno, O Significado da Mobília, pareceu-me mais próximo dessa intenção, uma escrita mais "enxuta" mas sem perder, digamos, automatismos de escrita, um certo descontrolo, que a mim muito me agrada, eivada de tiradas surrealizantes e de non sense).
Vou ter que parar por aqui (é que isto de escrever também cansa...). Mas hei-de voltar - com gosto - a reflectir sobre a Garagem (agora quase não falei do espectáculo que hoje vi! E já agora, para os comparsas deste blog: não percam o CIRCO!
Últimas notas, muito pessoais: gostei muito de ver as "minhas duas meninas"! E gostei muito de ti, Carlos O.! E gostei muito de ti, Miguel! Cláudia: a tua Diadora da terceira parte é uma beleza de contenção e de emoção interior! Luís: foi uma bela surpresa ver-te! Adoro os actores, esses "heróis frágeis"!
Carlos: gosto da ideia da senha, assim a modos que uma maneira de entrarmos nos mundos mágicos...
"Longa Vida e outros iogurtes ao Teatro da Garagem."




quinta-feira, julho 17, 2003

AFECTOS (7)

«Sobre ti que posso saber além
do que me dizem os sentidos
e os sentimentos que deles retiro
para chegar a esse ponto fulgurante
e ácido
onde aprendemos a brevidade da vida
e a maior brevidade – e mais escura –
do amor?»

Joaquim Manuel Magalhães, Uma Luz com um Toldo Vermelho [1990: 32]

quarta-feira, julho 16, 2003

LIBERDADES...

A "libertária" Fenda Edições proíbe (!) o acesso de alguns leitores ao seu site. Assim:

«Forbidden
You don't have permission to access / on this server.

Apache/1.3.27 Server at www.fenda-edicoes.pt Port 80
»

Quem quiser que tente, pode ser que tenha mais sorte do que eu!

terça-feira, julho 15, 2003

AFECTOS (6) - LAVA DE ESPERA (3)

Como o prometido é devido...

AS FILARMÓNICAS, LAJES DO PICO

«[...] Mas as senhoras de leque espanhol continuam, os vestidos pretos, gargantilha de ouro ou medalhão preso ao fio, sobre ramagens de falsa seda. Sentam-se aprumadinhas nas cadeiras de praia, por cima um anúncio da Oliva, a máquina de costura tradicional que em novas provavelmente desejaram, a escutar as Bandas, fingindo tomar conta das filhas. As netas mal falam português, sem controlo, a maior parte com shorts, moda que em geral transforma os europeus em atrasados ligeiros. Junto delas estão os mais velhos e os inválidos. Outros deambulam, os da segunda geração, iguais, os vídeos pulsando a tiracolo, geométricos nas máquinas, nos calções, uns já de telemóvel. Alguns mantém dignidade, as calças escuras, a camisa branca, só não resistem ao emblema dos bonés americanos. À beira-mar, um molho de raparigas cedeu com certeza a telha das mães, vestidos, rendas e fitas, os cabelos árabes desencalhados e uns rapazinhos que pertencem à Banda atiram pedras fazendo ricochete. No Maria Luna, à entrada da rampa deslizando ao cais, sentam-se meninas, ainda bebés, ostensivamente enfeitadas, as mais carecas não escapam às bandoletas cheias de rufos. Há gelados, frituras, o restaurante da Banda Liberdade de S. Roque do Pico, garagem ou se calhar recolha dos barcos, serve linguiça com inhame, abrótea, raia frita, as lapas. Encostado à porta um rapaz bonito de baça expressão, meias de lã nos pés e as sandálias de couro cruzam na perna. Albarcas como os pastorinhos de barro do presépio, um borrego sempre às costas, por vezes ajoelhavam. De um ano para o outro, na caixa de madeira junto à barba prateada do pinheiro, cheiravam a cedro, ao musgo que enfeitava o ringue do Menino. Em direcção ao carro, estacionado no largo do convento – a igreja segue-o mostrando a pedra ríspida, veias de lava insertas – dois meninos fardados de azul escuro estão ao telefone. Um conserva ainda o clarinete e duas pautas, o outro vai discando. Revirara o boné mas o risco mantinha-se na testa suada. Riram-se imenso quando o António Pedro começou a disparar.»

(Fátima Maldonado (com António Pedro Ferreira, fotografia), Lava de Espera, Câmara Municipal das Lajes do Pico, 1996: 15



segunda-feira, julho 14, 2003

MALDITO CONTADOR...

Pessoal que lê isto: as minhas desculpas - de cada vez que retiro o "contador" do template desaparece uma série de coisas que fazem falta no blog... Portanto, o bicho mantém-se por aqui, cada vez com menos utilidade!

AFECTOS (5) - LAVA DE ESPERA (2)

Continua a partilha de afectos pelas palavras da Fátima Maldonado:

A CRISÁLIDA, CALHETA DO NESQUIM

«[...] Mas Manuel Costa detesta que se façam grandes elevações e heroísmos à volta dos baleeiros. Porque eram quase escravos do armador, a soldada só a recebiam quando o óleo da baleia estava todo vendido. Que mais podiam fazer? Ir ao mar ou acabar de fome e o cachalote, “a nossa baleia”, aparecia ao calhar. Às vezes levava um mês e eles esperavam colados à muralha do cais, no “banco da preguiça”. Os homens não podiam desviar-se muito, só autorizados pelo agente da armação em que arriavam. No Inverno, a braveza do mar reduzia as hipóteses, o peixe apodrecia se não fosse escalado, era preciso vendê-lo nos arredores, muitas vezes às costas, trigo, milho ou ovos eram nesse tempo moeda de troca principal. Quando o vigia accionava a buzina e mais tarde o foguete-bomba largavam tudo, fosse o que fosse, estivessem onde estivessem. Quantas vezes os vapores do continente, o “Lima”, o “Carvalho Araújo”, escala em S. Jorge duas vezes por mês, ficaram a meio da descarga porque os baleeiros ouviam de repente o grito “baleia, baleia”. Os agentes rejeitavam-nos por isso e quem não tinha terra estava feito. Não havia remédio senão a busca dos States, correndo riscos, perigos altos, enganados pelos passadores tantos ficaram sem dinheiro e nenhuma esperança. Metiam-se mar fora e acontecia: ao chegarem junto do barco combinado os de dentro cortavam-lhes as mãos. Contam-se aventuras piores e destas memórias vivem todos, são a sua casa quando lá não estão.»
[...] A caça da baleia fechou em 1987, a miséria foi-se extinguindo com o dinheiro emigrado e a mudança para a pesca do atum, o albacora. O Pico é uma reserva, recolhem-se preciosos vestígios de uma civilização a esfumar-se. Mas a guerra acabou, resta apenas o palco dessa luta, alguns sobreviventes e poucos cetáceos.»


(Fátima Maldonado (com António Pedro Ferreira, fotografia), Lava de Espera, Câmara Municipal das Lajes do Pico, 1996: 10-11)


SE AINDA HAVIA DÚVIDAS...

Acabado de escrever o post abaixo, o senhor "contador" resolveu pregar-me uma partida: dos cento e tal visitantes contabilizados passou para oitenta e tal; depois para 1001! Desisto!!

DÚVIDAS

Este blog foi criado em 13 de Junho. Quando comecei, mal sabia como se inseria um post. Com algum tempo e a necessária paciência, lá fui aprendendo meia dúzia de truques para torná-lo um pouco mais "amigável" e, sobretudo, não fazer dele "coisa de umbigo". Para quem não sabe, os linques vários, etc., não aparecem aqui por obra e graça divinas. Pois bem, em 8 deste mês descobri como se colocava um "contador de visitantes". Confesso que antes de o inserir hesitei bastante: para que raio quero eu saber, e os que vêm aqui vem ler coisas, quantas pessoas gastam o seu tempo a "passear" por aqui? A verdade é que continuo sem ter a certeza porque raio (ainda) aqui está o "contador de visitantes"! Bom, quem vem cá fica a saber que neste preciso momento tem "X" companheiros de "visita" - os sentimentos de cada um, cada um os guardará para si (ou não!, como diz a minha amiga Azul...); e eu sei o mesmo mas sem saber quem são, sem poder conhecer os misteriosos "visitantes" (além de uns quantos amigos que me vão dizendo de sua justiça). Para não gastar mais o vosso tempo e paciência: o "contador" ainda aqui fica - e as dúvidas também...

AFECTOS (4) - LAVA DE ESPERA (1)

Os afectos dizem-se, goste-se ou não, (também) com palavras. Estas são da Fátima Maldonado. Outras, do mesmo livro, voltarão aqui em próximos "capítulos". Com, pelo menos, um destinatário certo. Um afecto que se partilha.

CÚPULAS, BIZANTINAS, PIEDADE

«[...] Da mistura entre as dores do mar, as mortes matadas dos grandes cetáceos e as dos outros, seus captores por miséria, necessidade e vício, escutam-se ecos. Os olhos dos santos esperam ainda preces, rogos, voltem aqueles que partiram, lembram nomes de barcos, a canoa S. Miguel, a S.tº Cristo, casos, o rapaz, pé enrolado no fio da baleia arpoada e já não voltou. Tinha dezanove anos.
[...] Em Agosto voltei à mesma igreja. A chuva, de repente escurecendo a bagacina, envernizou mais as árvores do incenso. Cobrem o Pico, nascem em todo o lado, mas na Arrábida recusam subir. Falta-lhes humidade, precisam daquelas mudanças bruscas de clima, inconstante como uma mulher mordida pela angústia. Tão depressa ri e a ilha volta ao sol, como emburrica e chora amachucando de raiva o lenço, faias e cedros desgrenhando, desespero súbito. Voltei com o Bernardo pela mão, tem seis anos o filho do António Pedro. Meu companheiro de igrejas e arqueologias pergunta sempre: "Onde é que está Deus?". E se me via mais parada: "Estás a rezar?". Não sei se lá estaria Deus naquele dia de grandes lavagens e arrumações. As mulheres desviaram os genuflexórios e conversavam. Iam despejando baldes de água no chão, bonés americanos na cabeça. Nessa convivência o Altar das Almas parecia comprazer-se, descansar do papel papão que lhe foi distribuído no teatro do mundo.»

(Fátima Maldonado (com António Pedro Ferreira, fotografia), Lava de Espera, Câmara Municipal das Lajes do Pico, 1996: 7-8)


sábado, julho 12, 2003

BRANDOS COSTUMES...

Um amigo enviou-me por e-mail o texto abaixo (obrigado, Hamilton!). Gostava que as nossas autoridades civis e religiosas o lessem e dele retirassem as devidas ilacções, e não só, as devidas actualizações. A minha dúvida está em saber qual será o interlocutor certo: o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa? O Ministro de Estado e da Defesa? O Ministro da Administração Interna? A Provedora da Casa Pia de Lisboa? A Provedora da Santa Casa da Misericórdia? O Cardeal de Lisboa? O Presidente da República? O Presidente da Assembleia da República? O Vilhena? A Madre Teresa de Calcutá? A Nossa Senhora de Fátima? O Pinto da Costa? O Vale e Azevedo? O Bibi? Eles todos? HELP ME!

«Verificando-se o aumento de actos atentatórios à moral e aos bons costumes, que dia a dia se vêm verificando nos logradouros públicos e jardins, e, em especial, nas zonas florestais Montes Claros, Parque Silva Porto, Mata da Trafaria, Jardim Botânico, Tapada da Ajuda e outros, determina-se à Polícia e Guardas Florestais uma permanente vigilância sobre as pessoas que procurem frondosas vegetações para a prática de actos que atentem contra a moral e os bons costumes. Assim, e em aditamento àquela Postura nº 69.035, estabelece-se e determina-se que o artº 48º tenha o cumprimento seguinte: 1º – Mão na mão (2$50); 2º – Mão naquilo (18$00); 3º – Aquilo na mão (30$00); 4º – Aquilo naquilo (50$00); 5º – Aquilo atrás daquilo (100$00). Parágrafo Único – Com a língua naquilo 150$00 de multa, preso e fotografado.»

(Câmara Municipal de Lisboa, Portaria de 1953)

AFECTOS (3)

O Manel João partiu - conscientemente? - para um meio caminho qualquer. Como Artaud, de quem tanto gosta(va)? Não sei. Apenas sei que há amigos que partem e não regressam. Ficam palavras, essas enganadoras hipóteses de vida.

«Ex.mo e Il.mo Senhor:
Vitor Silva Tavares
Rua da Emenda, 30, subterrâneo 3
1200 LISBOA

Não lhe dou, caro Vitor, nenhuma novidade: sem V., eu nunca teria chegado a escrever uma única linha na Imprensa portuguesa. Foi por V. ser coordenador do Suplemento Literário do D. L. e do & etc que eu, nos já remotos anos 70, pude, embora sob censura dos coronéis, investir contra os cornos duma série de touros mansos e partir alguma louça. Bons tempos!...
Também não lhe dou novidade nenhuma se disser que, tendo de voltar atrás e sabendo o que hoje sei, faria certamente as coisas que então fiz, pela boa razão de que escrever e escrever assim é uma das poucas coisas que sei fazer. ..
Sei que a primeira atitude das pessoas foi, na altura, considerarem-me um provocador e julgarem que eu nada mais queria do que dar nas vistas. Sabe V. que eu tinha motivos de sobra para não dar nas vistas e razões para não provocar. Mas tinha também uma vontade ingénua de escrever e uma indomável necessidade física de o fazer polemicamente.
Vontade idêntica foi a que encontrei no autor dos textos que lhe venho propor para publicação. É um rapazinho discreto, ingénuo, inseguro e muito trabalhador. Ninguém diria que pode acalentar a raiva demonstrada nos textos que fará a fineza de ler.
Importa dizer que a liberdade de expressão decretada com o 25 de Abril de 74 não lhe foi muito propícia. O seu (o nosso) & etc, por razões phinanceiras, acabou e, no meu caso concreto, como nos de outras pessoas, a possibilidade de escrever em liberdade total nunca mais nos surgiu. Também aqui não lhe dou novidade nenhuma: a censura não-oficial proliferou e é eficacíssima; os censurados de ontem são hoje óptimos censores e não Ihes escapam as nossas artimanhas. As censuras internas funcionam drasticamente e as regras que espartilham os plumitivos não são menos severas hoje do que no tempo dos coronéis. Vai longe a idade dos franco-atiradores. A imprensa recusa sistematicamente, hoje como ontem, não só tudo o que cheire a doentio e a dissolvente (estou a citar Pessoa), mas até o que cheire a discutível. O ofensivo e o demolidor não passam. Recusa-se a Diferença, valor que, há-de concordar, sobeja nos escritos do neófito que lhe apresento. Os espalha-brasas são indesejáveis (exceptuando talvez os de direita que até já chegam a deputados e a ministros). Quanto mais mole e mais cadaveroso, hoje, melhor se vende!
O país dos brandos costumes tomou a iniciativa e reina Tony Silva, às vezes com o pseudónimo de... vide titulares das nossas colunas culturais.
Pergunte ao Augusto Abelaira, ao Vicente Jorge Silva, ao Diogo Pires Aurélio se os seus independentes jornais podem publicar alguma coisa que não esteja prevista nas invariáveis regras do bom-senso e do bom-gosto, da boa camaradagem política, literária, etc.... Não podem.
É um facto não termos assim muitos jornais fascistas; temos felizmente alguns pró-soviéticos e bastantes pró-europeus. Não nego que isso não seja um progresso relativamente ao 24 de Abril. Mas, se eu quiser atacar sem brandura os brandos costumes nacionais, tocar no intocável, romper com a normalidade, não tenho jornal que mo permita. A Igreja, por exemplo, nunca pode ser atacada; o Presidente da Republica, só de tantos em tantos meses, em ocasiões determinadas que eu nunca sei quando são, porque nunca são quando eu julgo que são.
E tudo isto em nome de quê? Essencialmente da falta de papel. Ante a falta de papel, toda a literatura se torna impossível e desnecessária. Desnecessária porque impossível e impossível porque desnecessária. Impossível porque falta o papel; desnecessária porque, se falta o papel, todos os outros problemas são ociosos e inoportunos.
Que jazer? O mais ajuizado, todos acharão, seria parar de escrever. A desgraça é que o autor destes «Segredos» não deixou. Pior: a dar crédito a certos inquéritos ultimamente vindos à luz, será mesmo o único escritor português que já não tem gavetas para guardar tanto original. Ora estas prosas que ora lhe envio são alguns dos muitos escritos que ele tem parido nos últimos meses. Enredo, estilo, personagens (esta Jacinta é irmã legítima da Alice carroliniana e da Eugénia de Mistival sadiana), tudo é do tal meu amigo que prefere guardar o anonimato. Eu limitei-me a traduzi-los em vernáculo (?) e a copiá-los à máquina, emendando um ou outro erro de sintaxe (?) e dando aqui e ali uns retoques que os tornem compreensíveis. As razões de os capítulos se denominarem garrafas serão explicitadas no devido tempo.
Brevemente, logo que a possibilidade e a necessidade da literatura se me imponham, enviarei umas coisas da minha lavra.
Seja benevolente.
Saúde, afinal, é que é preciso e é o que lhe deseja de todo o coração este que se assina

Manuel João Gomes.»

(Manuel João Gomes, Os segredos da Jacinta, Lisboa, & etc, 1982: 3-5)

sexta-feira, julho 11, 2003

AFECTOS (2)

Há palavras a brilhar, a suster o avanço da noite. Mãos estendidas. Afectos.

sequência 1

«Ele quis morrer para arrasar a morte e voltar. Pensa: «No meu corpo depositei o mais e o menos, há porém ainda lugares onde salpicar o riso de água.» Sabia que estava no caminho da vocação do homem – romper, e o seu tumulto transporta uma memória já contida. De encontro aos olhos dele o mar teve medo e recuou. Lembra-se do amigo vestido de preto que chora agarrado às grades da cela. Ninguém põe as mãos no seu casco. É um exemplo. O homem jura que pode dizer hoje a qualquer mulher da cidade: fica calada e recosta-te. O sexo é a última violência, e tens o ventre dilatado. Devo servir-me de ti porque me purifico e os meus amigos renascem. O cabelo cai na testa do homem como certas hienas se enrodilham nas árvores. Tem algas dentro da boca, os membros são cardumes. Durante meses experimentou sentar-se no chão e soterrar o inferno no pó. Agora volta, e a sua pele brilha. Amou vorazmente, mas nada percebe do que amou. Foi uma bola batida. Assim partiu, e se hoje regressa do outro lado das campas para reabsorver Lisboa é porque quer dar início ao seu derradeiro trabalho. À beira da estrada pára o cansaço e queima-o.»

(José Amaro Dionísio, Bardo, Lisboa, Salamandra, 1986: 11-12)

Portanto, contudo, todavia, não obstante...

Meu querido amigo, não é só a hora do dia, aliás, noite (ou quase MANHÃ), que me faz ter aquele bocadinho de lucidez que tanta falta nos faz noutras horas e momentos da nossa vida: sei muito bem - antes não soubesse - que tudo é demasiado precário; e, portanto, contudo, todavia, não obstante... estou-me nas tintas para ..................... e companhias - já chega de hipocrisias, não é?! Se a coisa se der, muito bem: se não, muito bem na mesma. Queres uma imagem, bem real, aliás? Morreu-me um peixe de aquário (está outro quase quase) e sabes qual é o primeiro sinal/sintoma? Ficam com enormes dificuldades respiratórias e não conseguem sair do FUNDO DO AQUÁRIO! Portanto, contudo, todavia, não obstante... estou-me nas tintas!
Teu,
C.

quarta-feira, julho 09, 2003

AFECTOS (1)

Por vezes há palavras que procuram uma cumplicidade subterrânea. Disseminação.

«Ainda bem que partes:
já me sobram mais afagos
para o gato, mais espaço
nas gavetas e nas horas;
com os lenços que deixaste
posso pôr em cacos limpos
o restante coração.

Ainda bem que partes:
regresso menos cedo
às arestas do lençol,
acrescento um cobertor;
divirto-me a escolher
em que lado da parede
não irei adormecer.

Ainda bem que partes:
dura mais o sabonete
a graxa dos sapatos,
o sal e o Domingo;
só o gin, tem piada,
dura menos.»

José Miguel Silva, do "Ciclo do Sal" (O SINO DE AREIA, Porto, Gilgamesh, 1999: 35)

domingo, julho 06, 2003

A BOCA NA CINZA

Tereza Coelho entrevistou ontem Rui Nunes no suplemento Mil Folhas do Público. O meu campo de afectos, onde não uso pesticidas, cresceu mais um pouco.

«Nós encobrimos o que é feio, o que é dissonante, o que é áspero - andamos sempre a limpar o mundo de tudo isso. Uns de uma maneira menos violenta, outros violentamente - foi isso que fez Hitler, limpou o mundo. Quando ouço fazer a apologia da beleza e da saúde, fico muito perturbado. Porque é a apologia da "limpeza", e isso é terrífico. A apologia do poema bonito, a apologia da frase harmoniosa... estremeço. No fundo, atrás disso vêm todas as outras coisas, e vem também a violência. O terrorismo da beleza.
Quase todas as pessoas que praticam isso fazem a apologia disso, e estão sempre a confrontar o que os outros fazem, ou escrevem, com isso, ou o que os outros são com o padrão colectivo. Quem não faz isso é afastado. É segregado, como os anões são segregados, como os surdos, como os mudos são segregados. E o que fica é um mundo que se quer sem mácula. Eu tenho horror à ausência de mácula. (...) A escrita, para mim, não é uma forma de atenuar, é um gesto, e eu queria que cada palavra fosse um gesto e não mais do que um gesto, com a violência do gesto, a rudeza. (...) O outro tipo de violência é quando a própria palavra é a violência do discurso, a palavra não diz a violência: e é ela própria violência. Aí, as pessoas afastam-se, repugnadas.»

sábado, julho 05, 2003

GESTÃO CULTURAL

Para os senhores e senhoras que "gerem" a nossa "cultura", este textinho anónimo (dizem-me que há versões mais sofisiticadas mas que não são aconselháveis aos neurónios dos ditos: as suas leituras não vão além dos livrinhos da Dona Margarida):

Sinfonia Inacabada, de Franz Schubert

Um administrador, adepto de primeira hora da doutrina neoliberal, ganhou um convite para assistir a um concerto da Sinfonia Inacabada de Franz Schubert. Como estivesse impossibilitado de comparecer, deu o convite ao seu gerente de Organização, Sistemas e Métodos. Na manhã seguinte, o administrador perguntou-lhe se tinha gostado do concerto. Ao invés de comentários sobre o que ouvira e vira, recebeu o seguinte Relatório:

Circular Interna nº 13/98
De: Gerência de Organização, Sistemas e Métodos
Para: Directoria
Ref: Sinfonia Inacabada


1 - Por um período considerável de tempo, os músicos com oboé, não tinham nada para fazer. O seu número deveria ser reduzido e o seu trabalho redistribuido pelos restantes membros da orquestra, evitando-se assim estes picos de inactividade;

2 - Todos os violinos da primeira secção, doze ao todo, tocavam notas idênticas. Isso parece ser uma duplicação desnecessária de esforços e o número de violinos nessa secção deveria ser drasticamente reduzido. Se for necessário um volume de som alto, isso poderia ser obtido através do uso de um amplificador;

3 - Muito esforço foi despendido ao tocarem semitons. Isto parece ser um preciosismo desnecessário e seria recomendável que as notas fossem executadas no tom mais próximo. Se isso fosse feito, poder-se-iam utilizar estagiários em vez de profissionais;

4 - Não há utilidade prática em repetir com os metais a mesma passagem já tocada pelas cordas. Se toda esta redundância fosse eliminada, o concerto poderia ser reduzido de duas horas para apenas vinte minutos;

5 - Enfim, resumindo as observações dos pontos anteriores, podemos concluir que se Schubert tivesse dado um pouco de atenção a estes pontos, talvez tivesse tido tempo para acabar a sua sinfonia inacabada.

MUDAM-SE AS MOSCAS... ou ZANGAM-SE AS COMADRES... (2)

Comentário do Joaquim Paulo Nogueira (jpn@sapo.pt) ao conteúdo do meu post MUDAM-SE AS MOSCAS... ou ZANGAM-SE AS COMADRES..., de Julho/02:

«a) Comadres? Amaral Lopes e João Grosso? Hum! Nã! Assumo a minha discordância pela estratégia do João Grosso face à formação, através da sua (con)centração de encenadores e actores, c'os diabos, à Casa de A.Garret tem de se pedir mais sobre a dramaturgia portuguesa, e além do mais é de uma grande miopia não perceber que o novo relacionamento entre os dramaturgos e o teatro português contemporâneo tem passado por uma nova atitude na relação entre estes e os encenadores e actores mais jovens, já dizia o Redondo Júnior, como é que ele dizia? como é que ele dizia? pois "A juventude pode salvar o teatro!", mas meter no mesmo saco Amaral Lopes e João Grosso é de uma falta de discernimento que nem se pode deixar respirar um segundo que seja. Blogs à parte, se isto é tudo igual, se nada distingue coisa nenhuma, vamos é colocar a tranca na porta, desistir, fazermos um lopping dos diabos sobre a ponte sobre o Tejo, ponte 25 de Abril, sim, claro, porque esta coisa de nos estarmos a matar aos poucos com aguarás e diluente é pior que uma telenovela das sete. Já disse, tá dito! Um abraço, Carlos.

b) "acrescentando ter a garantia do ministro de que a situação seria "resolvida o mais rapidamente possível".

1. Sir Humprey do "Sim, Senhor Ministro", não diria melhor do que que aquilo que este Ministro garantiu a Paulo Cunha e Silva. Presume-se que sim. Que na sua lentidão crassa o processo está a andar o mais rapidamente possível. Faz parte da própria ideia de serviço público. Não vejo muito o Pedro Roseta a poder dizer que a situação vai ser "resolvida o mais lentamente possível".

2. O que é preciso dizer desde já a alguém que tem a pretensão tão louvável como meritória de ser o provedor dos artistas e da criação, é que ao nosso provedor pede-se que seja uma espécie de voz dos artistas e da criação - voz política, sem dúvida, não será de afonismo que a arte e os artistas vivem - ou seja que faça aquelas perguntas que quem está há seis meses, e entrámos no mês sete, se coloca:

- como é possível que o mais rapidamente possivel seja seis meses de atraso? (nem sempre foi assim. Num passado recente já foi possivel pagar as contribuições do Estado à Criação Teatral a horas atempadas (mais ou menos certas, não nascemos com o Big-Ben na alma, um pouco de folclore e tradição pópular não faz mal a ninguém);

- o que é que deixou de ser possível para só ser possivel assim?

- quem é que vai ser responzabilizado? quem é que nos serviços do Ministério da Cultura acha que " o mais rapidamente possível" não pode ser assim tão depressa....tem de ser assim...como assim...bzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz

- é claro que o Sr. Ministro ainda não achou por bem assumir as responsabilidades disso...embora, se calhasse em conversa, o nosso provedor até lhe devia dizer que a nós achamos que ele é o primeiro responsável, pelo menos politicamente, por isso...e que deve haver mais, não tão politicamente...

3. Quanto ao resto, Paulo Cunha e Silva promete. É preciso uma ideia de serviço público para o IA. E vem pôr um bocadinho de colorido nisto tudo. Só por isso já levaria o meu aplauso. É pena é que, se mantiver a palavra, tomará posse tão rapidamente quanto possivel.»

sexta-feira, julho 04, 2003

CONVERSAR SOBRE TEATRO (3)

No blog CRUZES CANHOTO (29 de Junho de 2003), saiu a seguinte prosa sobre o tema dos subsídios ao teatro: obrigado.

«Já ando há tempos para falar dos subsídios do teatro. À direita diz-se que a arte devia sobreviver por si própria, agradar ao público, dar lucro. Esta posição ignora todo o exemplo do passado. São múltiplos os casos de arte que na sua estreia foi um desaire financeiro e hoje é um alicerce cultural (Carmen, de Bizet, só para dar o exemplo mais conhecido e dramático). Também todos sabemos que a maioria da arte que se produziu no passado não foi sustentada pela afluência do público, mas por patronos abastados e mecenas: Bach, Shakespeare, Camões, Gaudí, precisaram de financiamento de terceiros para poder produzir as suas obras-primas. Por isso, restringir o financiamento da arte ao público é perfeitamente absurdo, e terá sempre de haver alguém disposto a financiar obras mais arrojadas sem temer prejuízos financeiros. Se os subsídios estatais não são o ideal, devido aos concursos públicos e peso burocrático, talvez a única solução passasse por maiores incentivos às empresas e particulares para servirem de mecenas. Mas há, claro, um importante entrave a isto: a pouca visibilidade do teatro, que afugenta as empresas ansiosas por publicidade para outras regiões mais atléticas. A solução que eu preconizava seria financiamento parcialmente público das companhias, devendo estas complementar o dinheiro com receitas da venda de bilhetes. Deste modo, mesmo que tivessem de alternar peças mais sofisticadas com outras mais comerciais, as companhias conseguiriam uma autonomia económica que as imunizaria a épocas de crise generalizada ou governos filisteus como o actual. J.»

UNS MAIS IGUAIS QUE OUTROS

Anda pela NET um Manifesto "Pelo Teatro. Um Apelo ao Protesto (do) Público", a propósito da situação de financiamento (protelado) do Ministério da Cultura/IPAE aos grupos/companhias/criadores para este ano. O que me merece os seguintes comentários:
1 - O Manifesto não está assinado: para me solidarizar, quero fazê-lo de forma consciente - quero saber quem é (supostamente) financiado; e com que projectos/espectáculos, e com quem serão eles realizados (sempre me fez confusão que não saibamos o que se financia).
2 - O que está dito acima significa, entre outras coisas (a): que há quem - grupos/companhias/criadores - fique de fora da "dança dos subsídios"; (b): e que, portanto, a solidariedade (e o protesto) deve ser extensivo a todos, ie, aos "financiados" e aos "financiáveis" - é que estes arriscam-se, com toda a certeza, a não continuar ou a não iniciar aquilo que gostam de fazer e têm o direito de fazer, para o "público", com o apoio de quem, por dever, o deve fazer (vem na consituiçãozinha... sabem?, aquele papel onde estão os princípios que regem a vida da malta toda...); (c): como já sou um pouco "usado" nestas coisas, "cheira-me" que mal passe a "tempestade", uma malta vai fazer os seus espectáculos financiados e os outros (muitos) ficam a chupar no dedo, sem qualquer tipo de solidariedade! Nem a dos seus "colegas".

AMIGOS PARA SEMPRE

"O cenógrafo, figurinista e artista plástico António Lagarto é o novo responsável artístico do Teatro Nacional D.Maria II, em Lisboa, após o pedido de demissão, na passada terça-feira, do actor João Grosso do cargo de vogal artístico da Comissão de Gestão deste teatro. António Lagarto aceitou o convite do Ministério da Cultura e regressa, assim, a uma casa que conhece bem. Em Setembro de 1989, quando Ricardo Pais assumiu a direcção do teatro, Lagarto foi um dos seus subdirectores, tendo permanecido no lugar após a saída de Pais (Novembro de 1990), integrando a equipa de Agustina Bessa-Luís (até Outubro de 1993). Como cenógrafo também tem visitado com alguma regularidade a sala do Rossio _ com a companhia trabalhou, por exemplo, em Anatol (1978) de Schnitzler, Fausto. Fernando. Fragmentos. (1988) a partir de Pessoa ou Clamor (1994) de Luísa Costa Gomes, todos com encenação de Ricardo Pais. Aliás, o actual director do Teatro Nacional de São João, no Porto, é um dos encenadores com quem Lagarto mais tem colaborado: desde Ninguém _ Frei Luís de Sousa, uma produção de 1978 com Os Cómicos, até hoje _ trabalham juntos Um Hamlet a Mais, com estreia marcada para o São João no dia 23 deste mês."
(Diário de Notícias, 4 de Julho de 2003).


Ricardo Pais

REACÇÕES
"Ricardo Paes (Encenador e director do Teatro Nacional S. João). «Naturalmente, António Lagarto é muito benvindo, num momento tão difícil para a gestão dos teatros nacionais. Registo com agrado o facto de um artista com créditos na gestão cultural estar à frente de uma instituição de produção cultural.» Luís Miguel Cintra (Actor, encenador, director do Teatro da Cornucópia, que co-produz com o D. Maria II «Tito Andrónico» _ em cena no Rossio _ e «Anatomia Titus: Fall of Rome» _ a estrear na Cornucópia). «É inacreditável que não haja uma definição de política teatral para os teatros nacionais e de fomento da actividade teatral em geral. Na falta dela, é completamente irrelevante discutir nomes de pessoas.» Miguel Abreu (Actor, encenador e director artístico do Grupo Cassefaz e do Teatro Municipal Maria Matos). «Acho bem; não é que não achasse bem o João Grosso, mas, uma vez que não quer continuar, António Lagarto conhece bem o Teatro Nacional D. Maria II, já foi subdirector, trabalhou lá bastantes anos. Assim ele tenha os meios necessários para trabalhar.» João Mota (Actor, encenador e director da Comuna _ Teatro de Pesquisa). «Conheço o António Lagarto há bastantes anos e o que posso dizer é que é uma pessoa muito competente. Mas esta é a primeira vez que ele vai assumir responsabilidades de direcção artística numa companhia de teatro.» Carlos Avilez (Encenador, director do Teatro Experimental de Cascais e ex-director do Teatro D. Maria II ). «Desde que saí do D. Maria II, nunca mais fiz comentários sobre o assunto. Quanto à nomeação de António Lagarto, espero calmo, apenas como observador, mas não faço quaisquer comentários.» Lúcia Sigalho (Actriz, encenadora e directora da Companhia de Teatro Sensurround). «Não tenho por hábito comentar nomes de pessoas. Mas espero que haja rapidamente uma definição das linhas de orientação do D. Maria II. Toda a gente do teatro português está empenhada em que haja uma clarificação da situação do Teatro Nacional D. Maria II.» Jorge Silva Melo (Actor, encenador e director dos Artistas Unidos). «Neste momento estou na Alemanha e não quero comentar coisas que desconheço.»"
(Diário de Notícias, 4 de Julho de 2003).


Luís Miguel Cintra

Jorge Silva Melo

«Para o actor, encenador e director do Teatro da Cornucópia Luís Miguel Cintra, "mais do que falar sobre as pessoas que vão ocupar os cargos, interessa discutir uma filosofia global para a actividade teatral. Só depois de definida uma política global é que se pode discutir e definir a função que os teatros nacionais podem ter". Também Lúcia Sigalho, encenadora, actriz e directora da Casa dos Dias D'Água, sublinhou ontem a necessidade de definição das linhas gerais para os teatros nacionais. "É injusto falarmos das pessoas em vez de falarmos dos teatros nacionais. Reconheço-lhe um percurso seríssimo mas é preciso garantias de que a situação do D. Maria seja esclarecida. É preciso definir-se qual a função de um teatro nacional, que devia ser exemplar em termos programáticos e financeiros. Já vai no terceiro ministro sem que a situação do D. Maria se resolva."»
(Público, 4 de Julho de 2003)

quinta-feira, julho 03, 2003

UMA REVOADA DE POMBOS ESCARLATES...

"Uma revoada de pombos escarlates estala em torno do meu pensamento (...). Para vós, a minha sabedoria é tão desprezível como o caos. Que é o meu nada, comparado ao horror que vos espera?"

(Jean-Arthur Rimbaud, Iluminações. Vidas. Trad. de Mário Cesaryni)

O ROUBO É O ACTO SAGRADO...

"O roubo é o acto sagrado
No caminho retorcido para a expressão

Uma grande quantidade de pontos de exclamação
substitui um colapso nervoso eminente
Só uma palavra na página e lá está o teatro

Escrevo para os mortos
os desnascidos

Depois das 4:48 não volto a falar
Cheguei ao fim deste conto repugnante e aterrorizante de um sentimento metido numa carcassa alienígena inchada pelo espírito maligno da maioria moralista

Estou morta há muito tempo

De volta às raízes

Canto sem esperança na fronteira"

(Sarah Kane, 4:48 Psicose, trad. port., 2001: 299)

MESA DE CABECEIRA

António Lobo Antunes, a pedido do jornal Público (suplemento Mil Folhas, 30 de Dezembro de 2000), escolheu, entre as obras publicadas nos últimos 100 anos, 21 para o próximo século. Por mim, confesso a minha ignorância de tão douta literatura. Mas suspeito que a Dona Margarida não deixa que ninguém tire estas livros da sua mesa de cabeceira...

Sandokan, Soberano da Malásia, Emilio Salgari
Viagem ao Centro da Terra, Júlio Verne
Os Desastres de Sophia, Condessa de Ségur
Emílio e os Detectives, Erik Kastnre
Proeza e Tropelias do Serapião Tobias, Gabriel Ferrão
Aventuras de D. Redonda, Virgínia de Castro e Almeida
O Capitão da Morte, Adolfo Simões Müller
Pinóquio, Carlo Collodi
A Minha Primeira Comunhão, Cónego Moreira das Neves
Livro da I Classe de 1950
Almanaque Bertrand de 1951
A colecção completa do Mundo de Aventuras
História de Portugal para as Criancinhas Lerem, Uma Mãe Portuguesa
Eu sou o Testículo do João, Selecções do Reader’s Digest
Memórias de uma Nota de Banco, Joaquim Paço d’Arcos
A Carpintaria ao Alcance de Todos, João Pereira Branco
Dez Mulheres Célebres, Dale Carnegie
O Crime da Praia de Chelas, anónimo
Eu não sou tua Mãe, Corín Tellado
Psicanalise-se a si mesmo, Moacyr Sampaio
As páginas pares dos Cadernos de Lanzarote”, saltando uma de quatro em quatro, José Saramago

quarta-feira, julho 02, 2003

MUDAM AS MOSCAS... ou ZANGAM-SE AS COMADRES... (1)

«Desespero da espera levou João Grosso a apresentar, ao secretário de Estado da Cultura, José Amaral Lopes, a demissão de vogal com funções artísticas na comissão de gestão do Teatro Nacional D. Maria II (TNDM II), para as quais foi convidado pelo ministro Santos Silva (Setembro, 2001), após andar com um pé dentro, outro fora, em sucessão de episódios que noticiámos. À comissão de gestão, presidida por Amaral Lopes antes de ir para a SEC, cabe reestruturar o teatro, dando lugar a direcção efectiva, com nova Lei Orgânica.» (Diário de Notícias, 1 de Julho de 2003)

«O programador Paulo Cunha e Silva confirmou ontem que aceitou dirigir o Instituto das Artes (IA), que funde o Instituto de Arte Contemporânea (IAC) com o Instituto Português das Artes do Espectáculo (IPAE), mas só admite ser empossado quando o IPAE resolver a questão dos subsídios em atraso. "É uma questão crucial. Não entendo uma política para a criação sem subsídios. Disse ao ministro da Cultura [Pedro Roseta] que não queria ser nem bombeiro nem coveiro da arte contemporânea", disse Cunha e Silva ao PÚBLICO, acrescentando ter a garantia do ministro de que a situação seria "resolvida o mais rapidamente possível".» (Público, 1 de Julho de 2003)
«Defensor da fusão desde o princípio, Cunha e Silva explica que aceitou o convite porque "as artes visuais ficam bem ao lado das artes performativas, dos pontos de vista conceptual e administrativo", e quer que o IA tenha "um papel importante na definição da relação do país com a arte contemporânea". Recusa um instituto que seja uma mera adição do IAC e IPAE: "Vou criar um IA que possa ser uma estrutura mais complexa do que se juntássemos apenas os dois institutos. Para já tenho dois eixos fundamentais: ser provedor dos artistas e da criação - os artistas podem contar comigo - e desenvolver aquilo que está no programa de Governo, ao qual obviamente não posso fugir - a descentralização da criação contemporânea para ultrapassar a vocação canibal de Lisboa e Porto e a aposta na internacionalização, uma vez que Portugal tem um défice de imagem exterior."» (id., ib.)
O deputado Augusto Santos Silva, ex-ministro da Cultura e actual porta-voz do PS para o sector, diz que a escolha de Cunha e Silva é "boa". (id., ib.)«Já o director artístico da Culturgest, António Pinto Ribeiro, foi lacónico: "Sei que é uma pessoa que organiza bem uns colóquios no Porto."» (id., ib.)


«João Grosso demitiu-se da direcção artística do Teatro Nacional D. Maria II em ruptura política com o Ministério da Cultura (MC), que acusa de "total ausência de pensamento" sobre a instituição e o teatro português (...)”» (Público, 2 de Julho de 2003)
«Desde a saída de Carlos Avillez, em 2000, que não é nomeado um director artístico para o D. Maria, ainda hoje dirigido pela comissão de gestão, que entrou em funções durante o mandato de José Sasportes como ministro. Na prática, Grosso assumia as funções de director artístico, mas a sua situação era indefinida já que a indigitação para o cargo depende da aprovação da lei orgânica do D. Maria: o seu cargo era o de vogal da comissão de gestão com a responsabilidade da programação artística.» (id., ib.)
«Ao PÚBLICO, Grosso disse: "Uma reestruturação não é negociar a rescisão de contratos de trabalho. Chego à conclusão que não há uma ideia profunda de reestruturação; não há um projecto político nem para o teatro nacional nem para o teatro em geral. Não há programa sustentado e isto foi repetido por mim até à exaustão.» (id., ib.)«Sobre a ruptura política com o MC, Grosso diz que vai para além das questões relacionadas com o D. Maria: "É aterrador estarmos em Julho e as pessoas não saberem quando vão receber o dinheiro dos subsídios, terem que anular projectos, pedir dinheiro à banca: é a absoluta falta de respeito pelo criador e pelo ser humano. Os actores não são trapos."» (id., ib.)«O MC disse ontem que o projecto de lei foi concluído a 30 de Junho "e mereceu a concordância de todos os membros da comissão de gestão", incluindo Grosso.
Nota ainda que foram "garantidas todas as condições solicitadas pelo vogal João Grosso para o desenvolvimento das actividades de produção artística", e acrescenta que "nem se reconhece qualquer justificação ou legitimidade ao vogal João Grosso para dirigir uma carta à comunicação social, a qual só no dia seguinte foi dada a conhecer à tutela."» (id., ib.)

terça-feira, julho 01, 2003

"Em resposta ao Pedro:

Pedro: O tal 1º rei (de um país comprado à Santa Sé em 1143, através do contrato/negócio de Zamora), não era tanto isso de armas/religião. A história escrita pelos árabes mostra que esse Afonso possuía uma cultura de diversidade e, sob o seu reinado, as diversas religiões coabitaram sem diferenças de maior. Se ele tinha algum problema com alguma instituição religiosa seria certamente com a católica romana (em vias de ser transferida de Roma para Washington). Digo isto sem laivos de nacionalismo, apenas pela leitura (diversificada) das fontes históricas.

Teatro: Pela prática comum, seria eficaz a utópica consciência individual. A capacidade de dizer não aos acenos da facilidade e do mediatismo. Em cada actuante do teatro essa consciência é que pode fazer a diferença, independentemente dos poderes mais ou menos circunstanciais, mais ou menos mecenáticos. Fazer teatro – e, nele, jamais esquecer ou secundarizar a dramaturgia – é o fulcro. Desde os primeiros formatos educacionais, sobretudo num país cuja tradição dramática é demasiado leve e o pouco quotidiano dos palcos esteve (ainda está?) enfeudado a uma série de razões (que alguns diplomatas classificariam de pragmáticas) terrivelmente distantes do teatro enquanto lugar de expressão de vida e pensamento. Tal se poderia extensionar a todas as outras artes.

Os diversos nichos de teatro em Portugal no século XX – tão impudoradamente omitidos, tão mal desejados pelos actuais e honestos actuantes do teatro – tiveram e têm como matriz a própria cicatriz pessoal – sem que, na individualidade, se instaure o individualismo. Pedia-te Pedro, a este básico nível, que te desses ao trabalho de ver o que de teatro não é divulgado em jornais ou sites ou outras poderosas armas de mercado, como a Grande Televisão. Esse trabalho imenso que só o Desejo alimenta, implica conhecer projectos em Lisboa (não auxiliados por megafones ou ressonâncias) e fora de Lisboa. Tenho muito a tentação de colocar aqui nomes de pessoas e grupos mas resisto.

Quando se faz a dramaturgia de um texto (de Ésquilo a Aristófanes, de Shakespeare a Von Kleist, de Jarry a Artaud, de Lorca a Liddell) o que procuramos é o Apocalipse em seu esquecido étimo: tirar oVéu, desvendar. Tal nem sempre é fácil e muito raramente é rápido. A dramaturgia é muito mais morosa que a encenação. Por outro lado, sem ela, não existe Verdade (tomada em “oblíqua exactidão”) nem interior nem exterior (em Palco). Perguntaria então (sabendo a pergunta retórica e que de modo nenhum te é dirigida) quantas Verdades (ainda que “oblíquas”) existem em Portugal e nos diferentes modelos (incluindo laborais) de serem apresentadas."

Alberto Augusto Miranda (incomunidade@yahoo.com.ar )