sexta-feira, junho 13, 2003

CINCO POEMAS

de Carlos Alberto Machado

publicados na Revista Periférica

Nº 5, Primavera de 2003

Palavras a mais talvez não sei não importa
e a memória dos rostos também me atraiçoa
apenas guardo a marca de certos movimentos
passei o jantar a olhar as sombras no teu pescoço
descendo até ao ponto mais claro onde os seios luziam
e agora sem registo seguro de medição ou cálculo
vou procurar no sonho a música do que dizer
mas passado um pouco sei que vou despertar
antes do tempo se algum tempo há no sonhar
a penumbra desce e tudo se move mais lentamente
(é com os olhos abertos de incerteza que tudo nasce?)
levanto a camisa e os meus olhos reconhecem
novo sulco aberto por onde o tempo se esvai
depois quando escurece chego-me à frente
e imagino começar tudo de novo.


A noite apagou também o brilho das palavras é mentirosa
a metáfora do brilho das palavras na noite o melhor
do mar vai-se na espuma não nas ondas que se vão talvez
o melhor ainda seja arrancar unhas e escavar fundo
ou deixá-las crescer até se curvarem sobre si próprias
começar por dentro e fundo o dilaceramento não sei
se o cansaço é isto ou apenas sol a mais nos meus olhos.


A minha casa parece-se com os domingos aos domingos
parece que é recorrente as casas parecerem-se com os domingos
quando as casas aos domingos se enchem do que não há
nos outros dias da semana os dias em que se conspira
para apagar da criação o último dia da semana inútil
como são todos os dias em que não há nada para fazer
senão esperar voltar ao princípio e começar tudo de novo.


Tomei uma dose suplementar de credulidade de marca registada
o médico não me quis receitar um medicamento genérico o perigo
está parece na ausência de testes suficientes sobre os efeitos
secundários de uma solução tão geral para problemas singulares
por exemplo no meu caso o de acreditar aliás não acreditar
que há uma diferença crucial entre um momento e o que se lhe segue
o problema é grave disse-me o médico mas isso já eu sabia.


E chego agora ao fim sem saber ainda como te cantar
sem saber como receber-te na humidade das palavras
sem saber como aninhar cada palavra na concha do teu corpo
sem saber a brisa por onde vai o teu olhar à minha mão
passo a noite ao relento a sussurrar o teu nome vazio
mas nomear-te ainda não é conhecer-te
todavia a luz.




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