domingo, junho 29, 2003

CONVERSAR SOBRE TEATRO (1)

Pedro Marques entra na conversa; assim:
"Ainda bem que se começa a discutir o teatro em Portugal
Embora não concorde com algumas das considerações que a professora Eugénia Vasques faz a propósito da atribuição dos subsídios (já lá vamos), acho bastante útil e saudável discutir-se estes assuntos, dada a falta de respeito com que o Estado Português trata a Arte e os artistas em geral, o Teatro em particular e por um efeito reflexivo os portugueses como povo. A cultura não é um objecto de fachada para ser exibido em eventos como festivais e outros acontecimentos generalistas e superficiais. A cultura de um povo não pode ser deixada nas mãos de meia dúzia de mercantilistas que por acaso estão no poder em determinada altura. Um povo não pode estar ao sabor dos ventos das intenções de voto, seja elas quais forem. Por consequência, o teatro não pode estar subservientemente dependente de um júri que avaliará necessariamente segundo um conjunto de regras, seja elas quais forem. O teatro e as artes performativas têm de ser encaradas como um património e devem receber tanta atenção como o Mosteiro dos Jerónimos ou os Maias.
Daqui nasce a primeira acha para a fogueira.
O problema não são as regras dos subsídios nem sequer os juris. É óbvio. Um concurso tem regras. Os candidatos ao concurso submetem-se às regras. Haverá sempre pessoas discordantes, infelizes, desiludidas, etc. O problema, acho eu, reside no facto de não haver uma política capaz de garantir mais dinheiro para A Cultura. E falo de dinheiro sem ter medo de ser mesquinho, de poder transbordar de demagogia. Quando sabemos da fatia do Orçamento de Estado atribuido ao Ministério da Cultura só podemos rir (1%?)???? Quando o Ministro Carrilho se demitiu será que ele não estava de facto a reclamar uma política cultural real, e não uma política de fachada que manteve o povo português, até agora, num muito chorado analfabetismo? Quando ele se demitiu não estava politicamente a demonstrar que o governo PS era uma fantochada como o governo que o precedeu e como o governo que agora desgoverna o país? Não quero com isto dizer que o Ministério desse tempo tenha feito tudo bem ou que tenha feito tudo o que estava ao seu alcance, eu acho que o Ministro viu a sua incapacidade para lidar com forças muito mais fortes do que aquelas que ele ingenuamente queria crer. Ele viu que o trabalho era difícil, que tinhamos muito para fazer. Durante o primeiro mandato do PS o Ministro aceitou o orçamento que lhe foi atribuído, mas no outro orçamento quis crescer, como é normal, um Ministério acabado de ser construído! Mas Não cresceu. E por isso demitiu-se. E fez muito bem. Ele tinha visto que primeiro precisamos criar, desenvolver, e depois aperfeiçoar uma política séria, que tire (e agora sou quase nacionalista) Portugal do seu estado de letargia que dura desde o dia em que um desgraçado rei decidiu ir combater uns mouros e levou na 'pinha'. Curiosamente um rei educado sob os auspícios das armas e da religião, duas coisas que, quando combinadas, produzem efeitos devastadores (como pudémos constatar hoje em dia nos dons sebastiãos que se suicidaram nas twin towers). Daí, acho, o seu privilégio às 'renovações de linguagem', etc. Aos projectos inovadores, etc. Numa palavra, à CRIATIVIDADE.
Daqui nasce a segunda acha para a fogueira.
Os Artistas Unidos foram um exemplo de 'projecto inovador', de 'renovação de uma linguagem': a atenção para com um reportório contemporâneo que reflectisse a nossa vida quotidiana; a criação de oficinas de escrita teatral e ligações com instituições que procuram o mesmo tipo de iniciativas: Royal Court Theatre, British Council; a criação de vários horários para espectáculos teatrais, possibilitando dessa forma uma maior fixação do público; as iniciativas de acompanhar a representação de peças com outro tipo de iniciativas, tais como: leituras de peças teatrais do mesmo autor, sessões de vídeo, ciclos de cinema, concertos de música, etc; a manutenção de uma revista exclusivamente de teatro; para além de todas as considerações estéticas e artísticas que possam ser feitas ao trabalho.
Por isso, não acho justo que se diga que os Artistas Unidos são os beneficiados deste estado de coisas. Os Artistas Unidos fizeram, com o dinheiro que a professora Eugénia Vasques refere, mais pelo desenvolvimento do teatro em Portugal que muitas companhias 'institucionalizadas'. Os Artistas Unidos candidataram-se a um subsídio e ganharam a atribuição. Apenas isso. Eles deviam ser vistos como uma companhia charneira, admirada, acarinhada mas normalmente ela é invejada e amesquinhada. Só uma pena a transbordar de ressentimentos pode escrever este passo do texto que eu acho absolutamente insultuoso: '(...) se tal não viesse acompanhado de uma grande incapacidade de respeitar os seus actores que, de há dois anos para cá, mantêm, inclusivé, a imagem de estrutura com os seus exercícios individuais, algumas vezes, até, prosseguindo carreiras de espectáculos em nome da AU quando já foram, como informam, por escrito, actores e espectadores, insultados e expulsos do agrupamento (ex: Dois Homens)! (...)' A professora Eugénia Vasques não sabe o que realmente aconteceu no incidente a que se quis referir, sabe versões da história, revela um profundo desconhecimento da actividade dos AUs (que vergonha!) e não tem o direito de vir para a praça pública fazer conjecturas sobre a honra das pessoas. Eu estava a trabalhar nessa altura nos Artistas Unidos e aquilo que aconteceu só diz respeito aos ACTORES e à PRODUTORA. O público não tem nada a ver com a história. O público foi sempre tratado com todo o respeito. Apesar dos casos com pessoas que reclamavam bilhetes quando chegavam atrasadas. (Mais uma falta de respeito.) Que recebiam o tratamento igual àquele que nos é dado quando compramos um bilhete de autocarro e não aparecemos à hora da partida. Não vamos reclamar o bilhete, pois não?
Não me quero alongar demasiado.
Só não queria deixar passar em claro esta oportunidade para responder publicamente a este texto. Eu li-o na altura em que foi publicado e digo que fiquei absolutamente indignado. Mesmo assim, e talvez por isso mesmo, acho que é uma boa oportunidade para começar uma discussão."


Pedro Marques
pmsmarques@netcabo.pt


A conversa também no blog Cruzes Canhoto

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