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O talento de cada um vem da terra: é algo sagrado, tal como a peste, que também vem da terra.
Mitologia, linguística, ideologia não esclarecem o poema. O poema é que, acidentalmente, pode esclarecê-las a elas. Mas não parece ser este o seu propósito. O propósito do poema é esclarecer-se a si mesmo e nesse esclarecimento tornar viva a experiência de que é o apuramento e a intensificação.
O poema inventa a natureza, as criaturas, as coisas, as formas, a corrente magnética unificando tudo num símbolo: a existência.
A poesia não é feita e sentimentos e pensamentos mas de energia e do sentido dos seus ritmos. A energia é a essência do mundo e os ritmos em que se manifesta constituem as formas do mundo.
Assim:
a forma é o ritmo;
o ritmo é a manifestação da energia.
Em certo sentido prezável nunca há evolução. Esse sentido é a fidelidade aos fundamentos da experiência – a aquisição de uma imagem do mundo. A experiência ulterior poderá ser considerada como apenas desenvolvimento “em linguagem”. A poesia procura sempre exercer-se sobre essa massa central e sensível. Mas a experiência é somente um ponto de partida, núcleo sólido e contínuo onde assenta a experiência posterior da criação. A criação é assim o encaminhamento, até consequências simbólicas extremas, de uma experiência em si própria não organizada. O que se chama “descoberta do mundo” não possui, intimamente, coerência ou finalidade. É preciso constituir um corpo orgânico em que a experiência, disciplinada, se baste, e nela se harmonizem o sujeito e a sua experiência: um cosmos explícito, “objectual”. A superação do caos exprime-se pelo encontro de uma linguagem. É na linguagem que a experiência se vai tornando real. Sem ela não há uma efectiva imagem do mundo.
O mundo repõe-se na qualidade do enigma jamais decifrado.
O mundo é a linguagem como invenção.
A escrita é a aventura de conduzir a realidade até ao enigma, e propor-lhe decifrações problemáticas (enigmáticas).
Herberto Helder, Photomaton & Vox, Lisboa, Assírio & Alvim,1995: 144-145 [3ª ed.]
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