sábado, agosto 30, 2003

ELOGIO DAS "RAZÕES DE ESTADO"

A folha do sôr zé manel furnandes tem publicado uma série de artigos pretensamente históricos sob a designação geral de “Sós Contra Todos” (talvez o sôr zé manel furnandes esteja a abrir caminho para figurar nessa série...). O último que li tem a assinatura do político & etc & tal senhor José Pacheco Pereira. Fala ele (27 do corrente, a páginas 14 e 15), embora não seja “historiador medieval”, nas suas próprias palavras, de um seu avoengo de nome Diogo Lopes Pacheco (e temos que acreditar que tal é verdade). Este ilustre senhor foi, entre outras coisas, um “matador da linda Inês” [de Castro]. Diz o actual Pacheco, que o “fio do rumor familiar valorizava este Pacheco que teria «morto por razões de Estado, morto por Portugal»”. E, sabe-se, não sujou as suas próprias mãos de sangue: aconselhou o Rei (Afonso) e enviou os algozes Álvaro Gonçalves e Pêro Coelho executar a sentença real. E qual foi a “razão de Estado”? No meio de uma intrincada luta política, a “escolha de D. Afonso era a de evitar uma guerra externa [contra Castela] – eliminando o principal instrumento dessa guerra, Inês – e correr o risco de uma interna.” (...) “A morte evitou a guerra externa mas garantiu a guerra civil.” [a guerra de Pedro contra o pai, Afonso]. O conselheiro Pacheco escapa à morte ordenada por Pedro (que não poupou os algozes directos que mataram a sua “linda Inês”). Pacheco – Pereira – elogia o assassínio político cometido pelo seu avoengo e procura “reabilitar” o seu antepassado e os seus feitos sangrentos; insurge-se, por exemplo, de forma manhosa, sobre a inversão de valores que o “romantismo”, e mais tarde o regime de Salazar, terão feito ao quase deificarem Pedro e Inês em detrimento da racionalidade política que manda matar quem se opõe à prossecução de “razões de Estado”: para Pacheco – Pereira –, Afonso, conselheiros e algozes, movem-se por “razões de Estado”; a “vingança” de Pedro, pelo contrário, é uma “crueldade” – dois pesos e duas medidas. O avoengo do actual Pacheco viveu até cerca dos noventa anos, coisa muito rara para a época. No decurso da sua longa vida, serviu outros senhores e envolveu-se noutras tramóias e mortes – sempre em nome das “razões de Estado” (nem sempre muito claras). O mais vil dos assassinos é aquele que cobardemente ordena a morte dos seus inimigos (políticos ou outros): os atenuantes históricos, de circunstância, têm servido para “justificar” muitas mortes, demasiadas mortes. Hoje, na política “oficial”, “bem-educada” “ocidental” e “democrática”, mata-se e manda-se matar “simbolicamente” (só os “outros”, os “diferentes” levam em cima com as bombas – e posteriores inúteis pedidos de desculpa). O assassínio e a cobardia vestem a roupa das passarelas de Paris e Nova Iorque - mas o “«pool» genético dos Pachecos” não se extinguiu no século XIV.

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