Durante anos e anos li as palavras que Carlos de Oliveira juntou e burilou em Finisterra - Paisagem e Povoamento (Lisboa, Sá da Costa, 1978); volto sempre a elas porque são primeiras, fundadoras. Como estas:
“Traços densos sulcam o papel, tão unidos que formam uma pasta de espessura sem falhas. Cristais microscópicos de lápis faíscam, dão à superfície negra o fulgor de certos minérios. Corpos compactos, do mesmo tamanho (refiro-me aos camponeses). Gestos dum ritual perto do fim: braços que pendem, para equilibrar a marcha, pernas flectidas torneando os rochedos, dificilmente, a caminho da água.” [17]
“Às vezes limpo o estojo de pirogravura: mas, no metal tão estalado, a ferrugem reaparece em poucos dias e progride pelas ranhuras como o desenho duma raiz. Além disso, rasgou-se o fole de borracha: só respira cobrindo-lhe o rasgão com a ponta do dedo (se falta ar ao estilete incandescente, o fogo morre por si mesmo e o trabalho é impossível). Preocupações aliás inúteis: não me sirvo do estojo há muito (desisti de perseguir a realidade ou, melhor, cansei-me).” [105]
Este livro de Carlos de Oliveira poderia ter como epígrafe este excerto de Simone de Beauvoir: “Os factos não determinam a sua expressão, não ditam nada: o que os relata descobre o que tem a dizer, pelo acto de dizer.” [Balanço Final, Lisboa, Bertrand, 87-88].
Pedro Mexia fala hoje no DN sobre Finisterra e Carlos de Oliveira.
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