sábado, setembro 27, 2003
Amina Lawal Absolvida
Amina Lawal Absolvida
Por MÁRCIA OLIVEIRA
Público, Sexta-feira, 26 de Setembro de 2003
O Tribunal de Recurso do estado de Katsina, norte da Nigéria, decidiu ontem absolver Amina Lawal, condenada em Março de 2002 à pena de morte por lapidação, por ter cometido o crime de adultério. Depois de dois adiamentos (o primeiro recurso estava marcado para Março deste ano), quatro dos cinco juízes optaram por "perdoar" Amina com base em questões processuais.
Os argumentos que levaram à decisão prendem-se com o facto de a arguida, à altura da sua condenação, não ter tido qualquer representação legal, para além do facto de ter sido apenas um juíz a presidir ao julgamento, quando a lei nigeriana exige um mínimo de três juízes para poder ser tomada uma decisão.
Durante o julgamento, que durou apenas uma hora, os juízes lembraram ainda que Amina, que não foi apanhada em flagrante, também não teve tempo para compreender as acusações a que estava a ser sujeita.
À saída do tribunal, Hauwa Ibrahim, uma das advogadas de defesa, afirmou que esta foi "uma vitória da justiça, uma vitória daquilo em que acreditamos: a dignidade e os direitos humanos".
Apesar de esta ter sido a melhor notícia que Lawal podia ter recebido, a Amnistia Internacional (AI), ainda que satisfeita com o resultado, não se conforma com os argumentos usados pelo colectivo de juízes para justificar o veredicto. Em declarações ao PÚBLICO, Teresa Tavares, coordenadora do Núcleo LGBT e Mulheres da Secção Portuguesa da AI, lembrou que "este caso nem deveria ter sido presente a tribunal", uma vez que considera inadmissível que "relações sexuais entre adultos sejam consideradas crime". "E muito menos que seja prevista uma forma de punição tão degradante e contra a dignidade humana como é a pena de morte", adiantou.
O facto de terem sido questões processuais a motivar a sentença inquietam a Amnistia uma vez que "o sistema [da Sharia, lei islâmica] não foi posto em causa". Teresa Tavares lembrou ainda que, com a decisão que libertou Amina, "apenas foi ganha uma batalha, mas falta ainda ganhar a guerra", que é a eliminação daquela legislação.
A Sharia, lei islâmica que foi introduzida em doze estados do norte da Nigéria em 1999 e 2000, prevê penas de morte por apedrejamento para crimes de adultério e sodomia, e amputação de membros para crimes de roubo, e gerou um forte movimento de contestação em todo o mundo. Em declarações à Associated Press, François Cantier, advogado do grupo francês Advogados sem Fronteiras, lembrou mesmo que "a pena de morte como punição de crimes de adultério é contrária à Constituição nigeriana" e que "a pena de morte por lapidação é contrária aos tratados internacionais contra a tortura que foram ratificados" por aquele país africano.
Amina Lawal foi a terceira pessoa a receber uma resposta positiva ao seu pedido de recurso, de entre as cinco que foram condenadas na Nigéria à morte por lapidação. Por resolver está ainda o caso de um casal que aguarda uma resposta do tribunal ao seu pedido de recurso da sentença. Fatima Usman e Ahmadu Ibrahim ainda está pendente no tribunal de Recurso de Minna, no estado de Niger.
Para além dos casos de condenação à morte por apedrejamento, a Sharia já fez cumprir vários castigos na Nigéria. É o caso de um homem que foi enforcado por ter assassinado uma mulher e os seus dois filhos e de três outros que foram amputados por terem roubado uma cabra, uma vaca e três bicicletas.
"Isto mostra como continua a ser necessário o trabalho em prol da liberdade de expressão de homens e mulheres, bem como do direito de associação, contra a discriminação e pelo direito à privacidade", afirma um comunicado da AI.
Daí que os dirigentes da Amnistia apelem ao governo nigeriado e à sociedade civil para que aproveitem este oportunidade para banir a pena de morte e abrandar a pressão desnecessária sobre o povo daquele país.
O resultado do julgamento de Amina Lawal já era esperado pela comunidade internacional, mas os advogados da acusação podem ainda recorrer da decisão. O recurso, no caso de ser apresentado, tem um prazo de 30 dias para dar entrada no tribunal.
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