quinta-feira, setembro 11, 2003

AMÉRICA




Morte à Orelha de Van Gogh!

O Poeta é Sacerdote
O dinheiro avaliou a alma da América
o Congresso consegui atingir o princípio da Eternidade
o Presidente construiu uma máquina de guerra que vomitará e criará a Rússia a partir do Kansas
o Século Americano for traído por um Senado Louco que já não dorme com a mulher
Franco assassinou Lorca esse filho amaricado de Whitman
tal como Mayakovsky se suicidou para evitar a Rússia
e Hart Crane esse distinto platónico se suicidou para fugir a uma América que não era essa
tal como milhões de toneladas de trigo humano foram queimadas em cavernas secretas sob a Casa Branca
enquanto a Índia morria à fome e berrava e comia cães loucos cheios de chuva
e montanhas de ovos eram reduzidos a um pó branco nos vestíbulos do Congresso
e por isso nenhum homem temente a Deus entrará nesses vestíbulos outra vez devido ao fedor dos ovos podres da América
e os Índios de Chiapas continuam a roer as suas tortilhas de vitaminas
e os Índios talvez da Austrália tagarelam nos seus desertos onde não há sequer um ovo
E eu raramente como um ovo ao primeiro almoço embora o meu trabalho requeira que infinitos ovos dêem à luz na Eternidade
os ovos deviam ser comidos ou então restituídos às mães
e a dor das incontáveis galinhas da América é expressa através de berros dos comediantes americanos na rádio
Detroit construiu um milhão de automóveis com os frutos da árvore da borracha e dos fantasmas
mas eu caminho, eu caminho, e o Oriente caminha comigo, e África inteira caminha
e mais cedo ou mais tarde a América do Norte caminhará
porque assim como rechaçámos o Anjo Chinês da soleira da nossa porta também ele nos rechaçará da Porta Dourada do Futuro
não dispensámos piedade ao Tanganika
o Einstein enquanto vivo foi troçado pela sua política celestial
o Bertrand Russel foi expulso de New York por se deixar levar
e o imortal Chaplin foi enxotado das nossas praias com uma rosa nos dentes
uma conspiração secreta da Igreja Católica nas retretes do Congresso fez com que fossem negados contraceptivos às incessantes massas da Índia
Ninguém publica uma palavra que não seja a representação cobarde dos delírios de uma mentalidade depravada
o dia da publicação da verdadeira literatura do corpo americano será o dia da Revolução
e revolução do cordeiro sexy
a única revolução sem sangue que distribui milho de graça
o pobre Genet iluminará as ceifeiras do Ohio
a Marijuana é um narcótico benévolo mas J. Edgar Hoover prefere o whisky mortífero
e a heroína de Lao Tsé & do Sexto Patriarca é punida com a cadeira eléctrica
mas os pobres drogados doentes não têm onde encostar a cabeça
amigos que temos no governo inventaram um tratamento à base de peru frio para desabituação dos drogados mas esse tratamento é tão obsoleto como o Sistema de Radar de Defesa
eu sou o sistema de radar de defesa
eu sou o sistema de radar de defesa
a única coisa que vejo é bombas
não estou interessado em evitar que a Ásia deixe de ser a Ásia
e ao governos da Rússia e da Ásia nascerão e cairão mas a Rússia e Ásia não cairão
e o governo da América também cairá mas como pode a América cair
duvido mesmo que alguém possa cair a não ser os governos
felizmente todos os governos hão-de cair
os únicos governos que não hão-de cair são os bons governos
e os bons governos são coisa que não existe ainda
Mas têm de começar a existir existem nos meus poemas
existem na morte dos governos russo e americano
existem na morte de Hart Crane & Mayakovsky
Estamos no tempo das profecias sem a consequente morte
o universo desaparecerá em última instância
Hollywood apodrecerá nos moinhos de vento da Eternidade
Hollywood cujos filmes estão atravessados na garganta de Deus
Sim Hollywood terá o que merece
Tempo
Infiltração de gás lacrimogéneo na rádio
A História tornará profético este poema e transformará o seu horrível ridículo numa hedionda música espiritual
Tenho queixume das pombas e a caneta do êxtase
O homem não pode resistir muito tempo à fome das abstracções canibais
A guerra é uma abstracção
o mundo será destruído
mas eu morrerei apenas pela poesia, que há-de salvar o mundo
Monumento a Sacco & Vanzetti ainda não financiado para enobrecer Boston
Nativos do Kenya atormentados por burlões idiotas da Inglaterra
A África do Sul sob o poder de um branco tonto
Vachel Lindsay Ministro do Interior
Poe Ministro da Educação
Pound M.º da Economia
e Kra pertence a Kra, e Putki a Putki
fertilização cruzada de Blok e Artaud
a orelha de Van Gogh reproduzida nas notas e nas moedas
mas deixemo-nos de propaganda a favor de monstros
e os poetas não se devem meter na política senão tornam-se monstros
eu tronei-me monstruoso com o política
o poeta russo indubitavelmente monstruoso no seu livro de notas secreto
é melhor não se meterem com o Tibete
Estas profecias são óbvias
a América será destruída
os poetas russos lutarão com a Rússia
o Whitman já nos tinha prevenido contra a nossa «nação fabulosa e danada»
Onde estava Theodore Roosevelt quando enviou ultimatuns do seu castelo em Camden
Onde estava a Câmara dos Representantes quando Crane leu em vos alta os seus livros proféticos
Que estava Wall Street a planear quando Lindsay anunciou o apocalipse do Dinheiro
Estariam todos a ouvir os meus delírios nos toilettes do Escritório de Colocação de Empregos Bickford?
Aproximaram as orelhas dos regougos da minha alma enquanto eu lutava com as estatísticas da sondagem de mercados no Fórum de Roma?
Não, nada disso. Preferiram bater-se uns com os outros, em escritórios a arder, sobre alcatifas de enfarte de miocárdio, gritando regateando com o Destino, combatendo o esqueleto com sabres, mosquetes, dentes tortos, indigestões, bombas roubadas, prostituição, foguetões, pederastia,
encostados à parede, para construírem o seu mundo com esposas e apartamentos, relvados, subúrbios, reinos de contos de fadas,
os Porto-Riquenhos amontoados para serem massacrados na Rua 114 em holocausto a um frigorífico do último modelo do tipo Chinês Moderno (imitação)
Elefantes de misericórdia assassinados em holocausto a uma gaiola de pássaros da época isabelina
milhões de fanáticos agitados no manicómio em homenagem aos sopranos da indústria
Cantochão financeiro dos saboeiros – macacos de pasta dentífrica no receptores de televisão - desodorizantes em cadeiras hipnóticas –
traficantes de petróleo no Texas – sulcos de aviões de jacto por entre as nuvens –
aviões que traçam no céu letras de fumo com mentiras publicitárias mesmo nas barbas da Divindade – carniceiros de chapéus e de sapatos, todos eles Proprietários! Proprietários! Proprietários! com a obsessão da propriedade e da individualidade em vias de desaparecer!
e os seus longos artigos de fundo, estampados logo na primeira página, acerca de negros devorados pelas formigas!
Maquinaria de um sonho eléctrico colectivo! Uma cortesã da Babilónia, bramindo sobre Capitólios e Academias, parturejando a guerra!
Dinheiro! Dinheiro! Dinheiro! ganidos do dinheiro louco e celeste da ilusão! O dinheiro feito do nada, da miséria, do suicídio! Dinheiro! do fracasso! Dinheiro! da morte!
Dinheiro contra a eternidade! e os moinhos robustos da eternidade triturando o imenso papel da Ilusão!
Paris, 1958
Allen Ginsberg, do volume Kaddish and Other Poems, em Uivo (trad. port. José Palla e Carmo, Lisboa, Dom Quixote, Cadernos de Poesia, 1973: 67-75)

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