segunda-feira, julho 28, 2003

AFECTOS (12)

Wuthering Winds – a casa do gelo

A habituação do olhar às imagens
exige o abandono de poéticas
que desistiram de perceber
a desmesura dos uivos
que as palavras soltam
antes de ser engolidas
pelas bocas do discurso.
Vi-o assim. A cabeça 3-D
já dificilmente detém
o descontrolo do pensamento
e abre-se de par em par
para refulgir na imagem
que, alucinada, toca tudo
em redor comunicando
ao cenário a nudez beatífica
de uma urna frigorífica.
Ao pensar, as paredes
do vídeo escancaram-se
dando do interior a visão
de um matadouro de onde
as peças pendem sustidas
pelo fluxo de um sangue
ainda cru e enriquecido.
Nas partes em que a carcaça
se azula a anomalia cresce
enchendo a estufa de cores
a que a temperatura,
contra o gosto, transmite
uma cor ainda mais escura.
Mas era preciso aí ter
permanecido para ver
as flores invadir
o mundo como uma criação
de que as palavras
eram os portadores
alterando o funcionamento
de cabeças que dentro de si
- do lugar em que
a morte se refugia –
nunca se viram reflectidas.
Serão estas imagens
de que me sirvo?
Uma criação da morte
ou a ninhada impura
em que luxuriante se
anuncia uma outra forma
mais lúcida de vida?

Fernando Guerreiro (inédito, Maio de 2003)

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